terça-feira, 17 de abril de 2012

Antônio

Sei, Olala*, que me adoras,
sem nunca mo teres dito,
nem co’os olhos, línguas mudas,
que entendem os amorios.

Sei-o sim, porque és discreta;
por isso em tal me confirmo;
todo o amor alcança paga,
salvo se é desconhecido.

Verdade é que tenho, Olala,
em ti descoberto indícios
de teres a alma de bronze,
e o peito de gelo frio.

Mas, através das repulsas
e honestíssimos desvios,
talvez se enxergue da esp’rança
um vislumbre fugitivo.

O meu amor se abalança
a esperar, sem ter podido
nem minguar por enjeitado,
nem crescer por escolhido.

Se amores têm cortesia,
da que tu mostras colijo
que o fim das minhas esp’ranças
há-de ser qual imagino.

E se o bem servir consegue
tornar um peito benigno,
já tenho em que funde a crença
de obter os bens a que aspiro;

porque, se nisso reparas,
às vezes me terás visto
vestido à segunda-feira
com as galas do domingo.

As louçainhas e amores
seguem o mesmo caminho;
e eu sempre quis aos teus olhos
apresentar-me polido.

Por teu respeito não bailo;
as músicas não te cito,
que a desoras, e acordando
os galos, terás ouvido.

Não te encareço os louvores
com que os teus dotes sublimo,
que, se bem que verdadeiros,
me fazem de outras malquisto.

Teresa do Barrocal
já, louvando-te eu, me há dito:
— Há quem pense adorar anjos,
estando a adorar bugiosa;

milagres dos arrebiques
mais dos cabelos postiços,
hipócritas formosuras,
que enganam até Cupido.

Desmenti-a; ela enfadou-se;
pôs-se por ela seu primo;
desafiou-me, e bem sabes
qual saiu do desafio.

Nem por demais te cortejo,
nem para mal te cobiço:
a melhor fim se endereçam
minhas atenções contigo.

Na Igreja há prisões de seda
para os casais bem unidos;
mete o pescoço na canga,
que eu sigo o mesmo caminho.

Quando não, desde aqui juro,
pelo Santo mais bendito,
não sairei destas serras
senão para capuchinho.

*Eulália


CERVANTES SAAVEDRA, Miguel de; O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha, Tomo I, Capítulo XI.

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