sábado, 26 de setembro de 2015

O poder da personalidade na guerra III

Um fardo muito mais pesado do que aquele da mais violenta batalha ofensiva, porém, tem de ser carregado pelo chefe quando a batalha toma uma forma desfavorável. Simplesmente trágico é seu destino quando não mais consegue despertar o entusiasmo e a esperança em todos os outros através do fogo que arde em seu coração e da força e da força da sua determinação; quando não mais consegue manter sua ascendência sobre as massas e permanecer seu senhor.

O primeiro ataque prussiano contra o flanco direito do exército francês em Waterloo foi temporariamente refreado às 19 horas e Napoleão enviou sua última reserva, dez batalhões de guarda, para um ataque decisivo ao flanco esquerdo de Wellington. Quando sua última tentativa de mudar a sorte do dia fracassou, quando estas seletas tropas que ostentavam a tradição de invencibilidade recuaram, o imperador finalmente bradou: "C'est fini." Esta expressão mostrava que havia chegado o momento em que "o peso da massa o arrastara para o mesmo nível em que esta se encontrava, para as profundezas de uma mera natureza animal, que recua ao medo e não sabe o que é vergonha". ~ Hugo von Freytag-Loringhoven, O poder da personalidade na guerra, capítulo 7.


"Por mais selvagem que seja a natureza da guerra, ela encontra-se dentro da esfera da fraqueza humana" ~ Carl Von Clausewitz, Da guerra, Volume III, Capítulo 16

"Riquezas, bens materiais e números não são as únicas coisas que contam; existem outros elementos não físicos que podem trazer a vitória, a educação do povo; ordem e subordinação, que dão forma à massa; disciplina, que a torna utilizável e que, mesmo no infortúnio, faz com que tenha confiança em si mesma; o incentivo de vidas ilustres, que fortalece o espírito; determinação que controla tudo; e poder intelectual, que nos orienta em direção ao objetivo desejado." ~ Droysen, Frederico, O grande

"Quando Gneisenau estudou os homens para ver se o seu espírito poderia ser 'elevado', pareceu-lhe que o espírito de Frederico havia atingido o zênite de sua influência. Frederico era possuidor de uma determinação inesgotável segundo a qual agia, e, conforme foi dito por Fichte, é esta determinação e não a força das armas que alcança a vitórias. Era esta força mental que apoiava Frederico em suas mais profundas desventuras, que o fazia elevar-se mais alto do que nunca ante a adversidade e que o tornava merecedor do título de "O Grande". A história das desventuras de Frederico ilustram uma descrição poética do destino como aquela que enaltece um homem que embora o subjugue." ~ Koser, Frederico, O grande

"É preciso acreditar firmemente no valor de princípios bem testados e lembrar-se de que  impressões momentâneas, embora fortes, são duvidosas. Nossa crença nestes princípios e nossa desconfiança entranhada nas sensações transitórias nos ajudarão a nos manter firmes nas decisões basicamente corretas quando nos sentirmos tentados a duvidar delas, e nossas ações assumirão aquela firmeza e consistência a que chamamos de caráter" ~ Carl Von Clausewitz, Da guerra, Volume I, Capítulo 3

"A expressão 'força de caráter', ou simplesmente 'caráter', significa uma adesão firme às nossas convicções, quer estas convicções sejam o resultado do nosso próprio pensamento ou de outrem, quer sejam classificadas como princípios, opiniões ou aspirações do momento. A expressão aplica-se, apenas, àqueles que mantêm-se firmes às suas convicções. Aquele que continuamente muda de opinião não possui caráter." ~ Carl Von Clausewitz, Da guerra, Volume I, Capítulo 3

"Aquele que compreende a natureza de uma decisão em questões práticas, especialmente na guerra, onde esta deve tomada sob o peso de uma grande responsabilidade e em meio a milhares de incertezas e contradições, chegará à conclusão de que as decisões não podem ser tomadas sem que haja muitas dúvidas, e aquilo que pode parecer um problema muito simples, muitas vezes não pode ser resolvido sem que haja uma grande determinação. A elaboração de planos para operações militares é, portanto, a parte mais fácil de um planejamento, embora para que este tenha êxito, ele necessita, obviamente, de ser sólido." ~ Carl Von Clausewitz, A Campanha de 1799 na Itália e Suíça.

O significado da honra para um soldado

A significação moral da guerra manifesta-se em tudo que aparece em conexão com ela, e não nela. Onde quer que surja um conflito na vida humana, relacionado a qualquer coisa melhor do que ganância ou crueldade cegas, de ambos os lados, onde quer que haja até mesmo o mais tênue brilho daquilo que os homens chamam de dever, encontraremos sempre aquele sentimento misterioso e exaltado chamado honra, cuja penetrante suavidade não é suscetível de comparação, uma vez que, confrontado com ela, o valor da própria vida tem o peso de uma pena. O sentimento de honra pessoal, de auto-respeito, que eleva o homem acima da condição da vida comum, não é nada mais do que uma concentração de nobreza no indivíduo. Para o soldado, ele surge como uma crença sagrada e uma prerrogativa especial. O soldado zela cuidadosamente por sua honra, pois, para ele, esta é a única coisa que o coloca acima da sua caricatura, o gladiador.

Os pacifistas procuram rebaixar o soldado ao plano de sua caricatura, pois não possuem nenhuma idéia da verdadeira natureza humana. Não possuem nenhum discernimento acerca da grandeza do sacrifício e do sofrimento exigidos pela guerra. Eles também não compreendem que existem homens que conseguem ver a morte gloriosa como a grande realização de suas vidas.

O significado moral da guerra

Consciente ou inconscientemente, esta má compreensão do significado moral da guerra revela uma incapacidade de compreender o caráter humano; ela advém de uma filosofia de vida puramente materialista. A base real da doutrina da paz eterna não é nada mais do que egoísmo e amor ao conforto disfarçados sob um vago idealismo. Essa tendência ignora totalmente o fato de que pode-se encontrar um idealismo muito mais sadio aceitando-se a vida como ela é.

A história nos ensina que as nações que não se encontram prontas a defender sua honra, com armas, invariavelmente entram em declínio. É oportuno, portanto, sempre que a sociedade volta-se para uma luxúria descuidada, não refreada por quaisquer considerações morais, que surja no horizonte aquele tipo de ansiedade política, aquele restaurador do dever cívico, a guerra. A paz eterna seria um destino perverso, porquanto seria adquirida, unicamente, ao custo das mais nobres qualidades e dos mais altos fados do homem. 

A necessidade de se desenvolver e manter um espírito guerreiro

Devemos, portanto, estar cônscios do nosso dever no sentido de despertar e desenvolver estas qualidades nobres e de nos proteger contra a sentimentalidade doentia. "Se a guerra sangrenta é um espetáculo horrível, isto deve nos advertir para a colocarmos em um plano superior e não para, por um falso sentimentalismo, embotarmos nossas próprias espadas, pois pode surgir um inimigo cuja a espada ainda esteja afiada." As condições mundiais certamente não são como as atuais (1911) para encorajar-nos a pensar que conflitos armados entre nações são uma coisa do passado. Já pudemos ver em nosso próprio país (Alemanha) os efeitos das doutrinas enganosas do pacifismo, agora tão amplamente difundidas, e fomos cruelmente punidos por isto. As fracas teorias filantrópicas que controlavam as classes mais altas de nosso povo em 1806 foram em muito responsáveis pelos desastres ocorridos naquele ano. Muitos dessa geração haviam perdido totalmente a compreesão da realidade da guerra e do verdadeiro sentido da atividade militar, porém recordaram-se dos mesmos nos anos de dominação estrangeira.

Heinrich von Treitschke caracteriza extraordinariamente o desastre de 1806 quando diz que ainda hoje o sentimos, em meio à nossa gloriosa história militar (1911), "como um sofrimento pessoal". A partir disto, devemos nos prevenir contra as tendências que nos desviam dos verdadeiros objetivos de nossa profissão. Tais tendências manifestam-se de diversas formas. Algumas vezes, encontram-se ocultas em meio a nuvens de uma pseudofilosofia, enfraquecendo nossa noção do dever militar, destruindo nosso prazer pelo trabalho e até mesmo nos sugerindo que aquilo pelo que trabalhamos já está obsoleto.

Não há melhor proteção contra essas influências do que a vigorosa ética de Clausewitz. O seu trabalho é baseado na experiência de uma época que assistiu à súbita queda e à rápida e estarrecedora ascensão de nosso país. Em 1813, Clausewitz viu o serviço universal desenvolver-se a partir das necessidades da guerra. O nosso dever, hoje, é manter as valiosas qualidade militares que surgiram no nosso exército nacional naquela época e que,  três gerações depois, nos inspiraram em três guerras vitoriosas. É nosso dever treinar essa "nação em armas" para a guerra moderna. Portanto, devemos nos empenhar em desenvolver uma sinceridade de propósitos quanto a isso, apesar das tendências desagregadoras dos tempos. O estabelecimento de uma crença nacional na necessidade suprema de se obter a vitória na guerra deve ser o verdadeiro objetivo na nossa vida, pois esta convicção é a essência de um caráter militar.

Os métodos que adotamos para realizar o nosso grande objetivo irão diferir tal como os métodos pelos quais esta convicção é formada em diferentes pessoas. Homens como Scharnhorst, Gneisenau, Lee, Moltke, adquiriram a capacidade de inspirar um grande empenho e auto-sacrifício nos outros através de uma autodisciplina rigorosa e de uma forte fé religiosa. A pureza de caráter destes homens era tão evidente que eles pareciam ser a encarnação do líder ideal formulado por Clausewitz. A religião destes homens era o mais autêntico cristianismo, e a partir dele adquiriam aquela humildade que os tornava fortes contra todas as dificuldades.

Os chefes militares devem ser julgados pelos resultados

A familiaridade com o combate, muitas vezes, é causada por um certo fatalismo, o qual, para muitos soldados, torna-se um substituto para religião. A vida na guerra tende a fortalecer os homens, e mesmo durante o período de paz, o contexto no qual um soldado passa os seus primeiros anos de serviço determina em muito seu caráter. Portanto, dever-se-ia dar maiores concessões a esta circunstância do que normalmente se dá ao se julgar os militares. Julgar Blucher, que uma vez incorporou todo espírito militar do nosso povo, somente sob um ponto de vista filisteu e moralista seria um erro crasso. A vida rude do campo, que Blucher adorava, era repugnante para o seu chefe de estado-maior, Gneisenau. Ele, porém, compreendia o seu chefe, tolerava suas fraquezas secundárias e via, apenas, as suas grandes e heróicas qualidades. Assim como Gneisenau, devemos prestar honras às grandes virtudes militares, mesmo que, no homem, a grandeza não seja alcançada em todos os seus aspectos.

O ponto essencial é, e sempre será, que um homem deve entregar-se totalmente a uma grande causa, não deve procurar satisfazer sua vaidade, e nem tampouco tirar vantagens pessoais. Visto sob este prisma, o empenho em expressarmos a nossa própria personalidade não é um fim em si mesmo; é simplesmente um meio para nos preparar para aquilo que mede o valor de um homem na guerra, isto é, o que ele faz em ação. ~ Hugo von Freytag-Loringhoven, O poder da personalidade na guerra, capítulo 9