sábado, 29 de junho de 2013

Sorte

Como um empresário austríaco de 30 anos, de natureza pacífica e simples torna-se em 3 anos o homem mais perigoso da Europa?

Lendo a biografia de Otto Skorzeny percebemos, que mesmo o melhor guerreiro depende de inumeráveis fatores de sorte para se tornar vencedor.

É melhor vencer o inimigo com a fome do que com o ferro, pois na vitória obtida com este vale muito mais a sorte do que o valor.
Maquiável, Arte da Guerra, Livro Sétimo.

Os homens decerto se impressionam demais com as representações da guerra feitas pelas arte, principalmente os cinemas. Quando na verdade deveriam ler biografias de homens como Skorzeny para deslindar o que realmente é a guerra. Skorzeny dizia que a guerra era uma coisa triste, e realmente é.

Face a própria mortalidade nos campos de batalha que nem sempre tem honra. As tribulações e necessidades da trincheira que as vezes são piores que a batalha em si, a depressão, os traumas, a desfiguração psicológica. 

Não obstante, não se pode objetar isso ao dever de se lutar pela pátria e porventura morrer, não se pode desejar a paz a qualquer custo, a custo da sua própria dignidade, e da dignidade de seu povo, isso seria pacifismo.

No fim, a natureza impinge ao homem deveres diversos e inevitáveis, não se deve pensar nessas circunstâncias que atingem todas as pessoas igualmente, como tristes ou felizes, sequer devemos ter opiniões sobre isso, a natureza é indiferente as opiniões dos homens, se há algum sentimento que pode ajudar o homem porém, é a esperança, que se para o universo é irrelevante, para o homem é uma fonte de força e alento, é um dos fundamentos da vontade em si, contrário dos sentimentos de raiva, tristeza e desespero, que somente enfraquecem e nada trazem de bom.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Ryse: Son of Rome


Família

Já falei em meu livro sobre agressão publicado em 1963 e em diversas conferencias(1968/1969), sobre o fato de sabermos qual a proveniência das causas etologicas dessa guerra das gerações. Aqui me limitarei, portanto, ao estritamente necessário. Todos esses fenômenos resultam de uma perturbação funcional, que intervém no organismo quando chega a puberdade. Durante essa fase o adolescente começa a se desligar das tradições familiares. Ele as examina com olhos críticos e procura outras formas de realização de seu ideal, um grupo novo a qual possa se juntar e cuja causa possa abraçar. O desejo instintivo de lutar por uma causa é determinante na escolha de um objetivo, sobretudo nos jovens. Durante esse período, tudo o que é tradicional parece tedioso, tudo que é novo, atraente. Poderíamos até falar de “neofilia fisiológica” ou de um apetite de novidade.

Esse processo tem sem dúvida um grande valor para a manutenção da espécie, razão pela qual foi inscrito no programa de comportamento humano, no decorrer da filogênese. Sua função é a de suavizar a transmissão, excessivamente rígida, das normas culturais do comportamento. Nesse sentido pode ser comparado à muda do caranguejo, que deve rejeitar a carapaça para poder crescer. Toda estrutura sólida destinada a servir de armadura se adquire às custas de uma certa dose de liberdade. A tradição cultural não foge a essa regra. Nela também a parte destrutiva inerente a toda transformação acarreta certos perigos pois, entre o momento da demolição e o da reconstrução, fica-se momentaneamente sem abrigo e sem apoio. É o caso do caranguejo na hora da muda e do adolescente em crise de puberdade.

Normalmente o período de apetência pela novidade ou neofilia é seguido de uma fase de retorno aos valores tradicionais. Isso acontece insensivelmente; a maioria dos homens da minha geração pode testemunhar que, pertos dos sessenta anos, damos muito mais valor às palavras de nossos pais do que dávamos aos dezoito.

Mitscherlich chama esse fenômeno de “obediência tardia”. O apetite pela novidade e a obediência tardia juntas formam um sistema cuja função estabilizadora é a de eliminar os elementos anárquicos da cultura tradicional, que ameaçam deter seu desenvolvimento, mantendo os valores essenciais e insubstituíveis. Como o funcionamento desse sistema depende da interação de numerosos fatores, internos e externos, ele é facilmente alterado.

O atraso do desenvolvimento pode ser determinado pelas condições do meio, mas também por fatores genéticos. Dependendo das causas que o provocam e do momento de seu aparecimento, as conseqüências diferem muito. A persistência no estado de infantilismo pode redundar num excessivo agarramento aos pais e às tradições da geração anterior. Nesse caso as pessoas têm dificuldade em se entender como os de sua idade e acabam frequentemente tornando-se seres extravagantes. Uma fixação anormal no estágio da neofilia provoca um ressentimento característico contra os pais, às vezes mortos há muito, e isso causa uma anomalia do comportamento. Esses dois fenômenos são bem conhecidos dos psicanalistas.

Mas as perturbações que levam ao ódio e à guerra entre gerações têm outras causas, das quais duas principais. Por um lado, cada geração exige modificações e adaptações do patrimônio cultural, cada vez mais importantes. Na época de Abraão o ajustamento às normas de comportamento que o filho recebia do pai, e que por sua vez devia modificar, era tão mínimo que (como Thomas Mann mostrou perfeitamente em seu maravilhoso romance psicológico “José e seus Irmãos”) os homens dificilmente distinguiam sua própria pessoa da do pai, o que constitui a forma de identificação mais perfeita que se possa imaginar. O ritmo de desenvolvimento que a tecnologia impõe à civilização contemporânea é tal que o patrimônio das tradições da atual geração é, com razão, considerado absolutamente ultrapassado pelos jovens. O erro que já mencionamos, de que o homem poderia fazer surgir do solo uma nova cultura de forma racional e arbitrária, leva à aberração de pensar se seria melhor acabar com o mundo dos pais para poder “recriar” um mundo novo. Isso realmente seria possível, desde que se recomeçasse no estágio do homem anterior à Cro-Magnon!

Mas a tendência generalizada dos jovens de hoje, de recusar tudo sem discriminação, tem outras causas. As transformações sofridas pela estrutura familiar a partir da crescente influencia da técnica levam a diminuir progressivamente os contactos entre pais e filhos. Isso já aconteceu em relação ao bebê, não é raro vermos surgir as perturbações que René Spitz qualificou de hospitalismo. Os sintomas decorrentes são uma deficiência grave e frequentemente irreversível da capacidade de manter relações humanas. Essas perturbações vêm reforçar perigosamente as da faculdade de simpatizar com os outros, das quais já falamos no capitulo II.

Mais tarde, a ausência de exemplo paterno cria problemas, sobretudo nos rapazes. A não ser em ambientes de camponeses ou de artesãos, um rapaz hoje em dia quase não vê o pai no trabalho. Ainda mais rara é a oportunidade de ajudá-lo, sentindo assim admiração pelo homem em sua maturidade.

Da mesma forma a família moderna perdeu a estrutura hierárquica que antigamente conferia ao velho sua dignidade respeitável. Uma criança de cinco anos é incapaz de avaliar diretamente a superioridade de seu pai de quarenta anos. Em compensação, é impressionada pela força física de uma criança de dez anos e compreende a admiração que esta devota a seu irmão mais velho de quinze anos. Intuitivamente extrai as conclusões apropriadas, quando vê o irmão mais velho admirar a superioridade intelectual do pai, que ele é bastante inteligente para apreciar.

O reconhecimento de uma situação hierárquica não é um obstáculo ao amor. Cada qual deveria se lembrar de que em criança não amou menos as pessoas que admirava e às quais se submetia. Ao contrario, as amou ainda mais do que aos seus pares e seus inferiores. Ainda me lembro muito bem do respeito que eu tinha por meu amigo Emmanuel la Roche, morto prematuramente, e quatro anos mais velho que eu. Lembro-me também da autoridade, justa mas severa, que ele exercia sobre nosso grupo de crianças de dez a dezesseis anos. E me lembro, enfim, de como eu o amava. Meu sentimento era de qualidade análoga ao afeto que tive mais tarde por alguns amigos mais velhos ou professores que eu venerava. Dizer que a hierarquia natural entre duas pessoas é um obstáculo a sentimentos cordiais, declarar que se trata de uma “frustração” é um dos maiores crimes cometidos pela doutrina pseudodemocrática. Sem essa hierarquia, a forma mais natural do amor humano, a que normalmente une os membros de uma família, nem existiria. Milhares de crianças se tornaram neuróticos infelizes, devido à célebre educação “anti-autoritária” destinada a evitar frustrações.

Como disse em obras já citadas, a criança criada no interior de um grupo não hierarquizado encontra-se numa situação absolutamente artificial. Não podendo reprimir em si a tendência instintiva de ocupar o primeiro lugar, ela tiraniza os pais despidos de resistência, e se vê obrigada a assumir um papel de chefe, no qual não se sente nada bem. Em falta de um superior mais forte que ela, encontra-se sem defesa num mundo que lhe e hostil, pois as crianças criadas de acordo com os métodos “Antiautoritários” não são amadas em lugar nenhum. Quando tenta irritar os pais para provocar uma justa reação de indignação, e “pede tapas” não recebe a resposta agressiva que inconscientemente esperava, mas esbarra no muro de borracha de belos discursos apaziguantes e nas frases ocas pseudo-racionais.

Ora, nenhum homem se identifica com um pobre escravo, ninguém está disposto a deixar que ele lhe dite regras de conduta e ainda menos a admitir os valores culturais que respeita. Somente quando amamos alguém no mais profundo do coração e quando ao mesmo tempo o admiramos podemos adotar essa tradição. Essa “imagem do pai” falta à maioria dos atuais adolescentes. O próprio pai se revela frequentemente incapaz e a superpopulação dos colégios e das universidades impede que um professor respeitado assuma esse papel.

A essas razões de ordem etológica para rejeitar o mundo dos pais, numerosos jovens inteligentes acrescentam razões de ordem ética. Pois a massa domina nossa civilização ocidental contemporânea, com a devastação da natureza, a negação dos verdadeiros valores, a corrida para o dinheiro, o empobrecimento do sentimento, o embrutecimento pela doutrinação. Esses exemplos são evidentemente indignos de serem seguidos, mas levam a esquecer facilmente que todo o fundo de verdade e de sabedoria inerente à nossa cultura. A juventude tem, na verdade, boas razões para entrar em guerra com as diferentes formas de “establishment”. Entretanto, é muito difícil estabelecer quantos desses jovens e desses estudantes revoltados estão maduros para essas considerações. O que acontece, nos embates públicos, é provocado indiscutivelmente por razões bem diferentes, por impulsos que são, inconscientemente, de ordem etológica e entre os quais o ódio étnico(cultural) ocupa o primeiro lugar. Infelizmente, os jovens pensantes que têm motivação racional são também os menos violentos, de forma que a imagem aparente da rebelião é amplamente dominada pelos sintomas de regressão neurótica. Obedecendo a uma lealdade mal compreendida, os mais moderados entre os jovens são manifestamente incapazes de se distanciar dos mais impulsivos. Discutindo com estudantes tive a impressão que a proporção de pessoas razoáveis era muito maior do que as aparências faziam supor.

Não devemos esquecer, apesar de tudo, que as considerações racionais têm um poder de ação bem menor do que a força elementar, instintiva, que se esconde atrás dessas agressões. E sobretudo não devemos esquecer as conseqüências que acarreta para os próprios jovens essa recusa radical das tradições familiares, pois elas podem ser fatais. Durante a fase da “neofilia fisiológica” o adolescente é tomado por um desejo irrefreável de ligar-se a um grupo e, principalmente, participar de suas agressões coletivas. Esse impulso é tão forte quanto o de um outro instinto qualquer programado na filogênese, como sejam a fome ou a sexualidade. Na melhor das hipóteses, esse instinto pode se fixar num objeto determinado através do aprendizado e de argumentações. Mas não pode ser completamente dominado ou eliminado pela razão. Se ele aparecesse dominado, o perigo de uma neurose seria iminente.

No quadro da manutenção de um sistema cultural, o fenômeno normal no estágio ontogênico da puberdade é que os adolescentes se juntem em grupos étnicos*, ao serviço de ideais novos, e que empreendam reformas essenciais das regras do comportamento tradicional, sem entretanto jogar fora, em sua totalidade, o patrimônio cultural de seus pais. Assim, o adolescente se identifica sem equivoco com o grupo jovem de uma cultura antiga. É da natureza profunda do homem – ser de civilização por excelência – encontrar identificação satisfatória somente no interior de uma cultura e através dos intérpretes de uma cultura. Se está impedido pelos obstáculos dos quais falamos, satisfaz sua necessidade de identificação e de pertencer a um grupo, assim como o faria no caso de um impulso sexual insatisfeito, escolhendo um objeto sobressalente. A falta de discernimento, com a qual as forças impulsivas contidas podem se descarregar sobre objetos surpreendentemente mal adaptados, é há muito conhecida de todos os que fazem pesquisas sobre o instinto. Mas existem poucos exemplos tão chocantes quanto os da escolha feita frequentemente pelos jovens em sua apaixonada procura de um grupo. Tudo é melhor do que não pertencer a um grupo, até mesmo ingressar na mais triste das comunidades, a dos drogados. Aristide Esser, especialista neste campo, mostrou que o tédio do qual falamos no capítulo V, e sobretudo a necessidade de fazer parte de um clã levam um número crescente de jovens a se drogar.

*Lorenz usa essa palavra mormente no sentido cultural nesse livro.

Konrad Lorenz, Civilização e Pecado, Capítulo VII: Ruptura da Tradição, Pg. 93

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Criminosos

Em criminologia, sobretudo, sabemos perfeitamente que as possibilidades de transformar em indivíduos sociais os que sofrem de uma deficiência de vida afetiva são precárias. É o caso dos que nasceram com essa deficiência e dos infelizes que adquiriram devido a educação deficiente ou a uma síndrome de hospitalismo. A ausência da mãe na primeira infância determina uma espécie de incapacidade para estabelecer ligações sociais, quando não provoca perturbações mais graves. Esses se assemelham estranhamente a uma perturbação afetiva inata. Nem todas as taras endógenas são incuráveis, mas é verdade que muitas das perturbações adquiridas são ainda mais difíceis de curar. O velho adágio médico pelo qual mais vale prevenir do que curar, é absolutamente válido para as perturbações psíquicas.

A fé no poderio onipotente das reações condicionadas tem grande parte de responsabilidade em certos estranhos erros judiciários. Em suas  conferências na clínica Menninger de Topoka, Hacker citava o caso de um jovem assassino submetido a um tratamento psicoterapêutico, e em seguida considerado curado e devolvido à liberdade. Cometeu logo outro assassinato, e em seguida mais três. Foi preciso esperar que o criminoso executasse sua quarta vítima para que a sociedade, imbuída de princípios humanitários e behavioristas, admitisse que esse homem representava um perigo público. Comparadas aos estragos causados pela atitude da opinião contemporânea em matéria de crime, essas quatro mortes parecem um mal menor. A convicção, elevada ao nível de religião, de que todos os homens nasceram iguais e que as taras e os defeitos do criminoso são devidos a uma educação frustrada por falta dos educadores, contribui para aniquilar o sentimento normal do bem e do mal, sobretudo no culpado, que se compadece de si mesmo e se considera vítima da sociedade. Recentemente a manchete de um jornal austríaco trazia: “Rapaz de dezesseis anos mata por medo dos pais”. O Rapaz tinha violentado a irmã de dez anos, estrangulando-a em seguida quando ela ameaçara contar tudo aos pais. É possível que, no encadeamento complexo das causas e dos efeitos, os pais tenham tido uma parte da responsabilidade. Em todo caso, não a de inspirar um medo excessivo a seu filho.
 
Essas formas extremas e patológicas que se manifestam na opinião pública, tornam-se compreensíveis quando sabemos que a opinião é uma função de um dos sistemas de regulagem cuja tendência à oscilação já indicamos. A opinião pública é inerte, ela só reage a influências novas depois de longos períodos de insensibilidade. Além do mais é ávida de simplificações grosseiras, brotando geralmente do exagero de uma situação. É por isso que a oposição que se levanta contra uma opinião generalizada tem quase sempre razão. Nesses confrontos, a oposição adota posições arrebatadas que jamais tomaria se não tratasse de compensar o parecer contrário. Se a opinião reinante desaba repentinamente, como costuma acontecer, o pêndulo oscila então em sentido contrário para uma posição igualmente exagerada.

A forma caricatural da democracia liberal contemporânea se situa no ponto culminante da oscilação do pêndulo. No ponto oposto, encontramos Eichmann e Auschwitz, a eutanásia, o ódio racial, o genocídio e o linchamento. É preciso sermos clarividentes e saber que de um lado e de outro se encontram valores autênticos. Que são: o livre desenvolvimento do indivíduo, do lado esquerdo, e um bom equilíbrio sócio cultural do lado direito. Os atos desumanos provêm dos excessos cometidos em uma ou em outra direção. A oscilação está se acentuando, e o perigo já se delineia nos Estados unidos; esperemos que em reação contra a revolta justificada mas descomedida dos jovens e dos negros, não se forneçam a elementos extremistas de direita uma ocasião propícia para pregar, com o mesmo exagero incorrigível, a volta ao outro extremo. Pior ainda: não só o movimento dessas oscilações ideológicas continua sem freio, como elas manifestam uma perigosa tendência a aumentar, com o risco de precipitar e de provocar um desregramento catastrófico. Tentar frear o mais depressa possível esse processo infernal é tarefa dos sábios.
 
Aqui também, e é um dos numerosos impasses em que o mundo civilizado se deixou arrastar, os sentimentos de humanidade que devemos ter para cada um em particular se opõem aos interesses da espécie em geral. A pena que temos dos marginais, cuja inferioridade provém de lesões irreversíveis datando da primeira infância, ou de taras hereditárias, nos impede de proteger os seres normais. Não podemos mais, sequer, empregar as qualificações de superior ou inferior, falando dos homens, sem nos tornarmos suspeitos de pleitear pela câmara de gás.

Konrad Lorenz, Civilização e Pecado, A Degradação Genética, Pg. 71.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Neofilia

O hábito de excitações cada vez mais forte tende a fazer desaparecer progressivamente a capacidade de sentir prazer. Não é portanto surpreendente que homens blasés procurem excitações sempre novas. Esse amor pela novidade ou “neofilia” afeta praticamente todas as relações de que o homem é capaz com o mundo exterior. Para as pessoas contaminadas por essa doença cultural, um par de sapatos, uma roupa, um carro, perdem o encanto com pouco tempo de uso, exatamente como a pessoa amada, o amigo ou até mesmo a pátria. Posso parecer paradoxal ou cínico, ao afirmar que a pena que alguns de nós sentimos, ao jogar no lixo um velho cachimbo fiel ou um par de calças velhas, tem as mesmas origens que as ligações sociais tecidas entre amigos humanos. Mas quando lembro dos sentimentos com os quais acabei de vender o meu velho carro, ligado a tantas boas lembranças de viagens, devo dizer que eram semelhantes aos de adeus a um amigo. Essa reação surpreende quando ligada a um objeto inanimado, é não só válida como justificada a respeito de um animal evoluído, como um cão. Afastei-me interiormente de numerosas pessoas que me falavam do seu cão e depois acrescentavam: “Mas tivemos que dá-lo de presente quando fomos morar na cidade”.

Konrad Lorenz, Civilização e Pecado, Uma Tepidez Mortal, Pg. 60.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Instant gratification

O desenvolvimento da tecnologia moderna e especialmente da farmacologia favorecem, em medida até então desconhecida, a aspiração humana de evitar o sofrimento. O conforto moderno é tão usual, que mal nos damos conta de quanto necessitamos. A mais modesta das empregadas ficaria revoltada se lhe oferecêssemos um quarto com aquecimento, a iluminação, a cama e o tipo de conforto que pareciam ótimas a Goethe ou à duquesa Amélia de Weimar. Há poucos anos, quando um incidente catastrófico cortou a eletricidade de Nova Iorque durante algumas horas, muitos pensaram seriamente que o fim do mundo tinha chegado. Mesmo aqueles que acreditavam nas vantagens dos bons tempos e, sobretudo no valor educativo de uma vida espartana, mudariam de opinião se fossem forçados a se submeter ao tratamento cirúrgico usado há dois mil anos. Dominando progressivamente seu meio, o homem moderno, por força das circunstâncias, deslocou o equilíbrio prazer-desagrado no sentido de uma hipersensibilidade crescente a respeito de toda situação dolorosa,
enquanto que sua capacidade de prazer foi se embotando. Por uma série de razões, semelhante situação acarreta conseqüências deletérias.


Uma intolerância crescente para com o desagrado, aliada à redução da atração pelo prazer, leva os homens a perder a capacidade de trabalhar arduamente em busca de um resultado distante embora promissor. Disso, resulta uma exigência impaciente de satisfação de todo desejo embrionário. A necessidade de satisfação imediata (Instant gratification) é infelizmente favorecida de todos os modos pelas empresas comerciais e pelos produtores, sendo espantoso constatar que os consumidores não se dão conta do quanto se tornaram escravos das compras a prazo. Por razões fáceis de entender, a necessidade incoercível de satisfação imediata acarreta conseqüências especialmente desastrosas no âmbito do comportamento sexual. A perda da capacidade de dispor-se a um objetivo a longo prazo causa o desaparecimento das etapas, sutilmente diferenciadas, do comportamento instintivo ou cultural para a conquista do objeto amado. Vemos o desaparecimento não só do programa genético concebido visando à reprodução, mas ainda das normas do comportamento cultural, que buscam o mesmo objetivo no âmbito de uma cultura.

O comportamento resultante, essa satisfação sexual imediata que vemos glorificada por tantos filmes modernos, é freqüente e erroneamente qualificada como satisfação animal. É raríssimo, nos animais superiores, esse tipo de comportamento. Seria melhor dizer “bestial”, se entendermos por bestas aquelas que o homem domesticou, fazendo com que esquecessem as etapas diferenciadas dos ritos e os comportamentos que precedem o acasalamento, a fim de facilitar sua criação.
Konrad Lorenz, Civilização e Pecado, Uma Tepidez Mortal, Pg. 57.