segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Da tradição olvidada

Toda a gente anda cansada de gritar, pelo livro e pelas gazetas, que somos um povo sem amor a tradição. A grita é justa. No capítulo dos costumes, notadamente, tem sido integral a nossa desnacionalização. Os usos primevos dos nossos maiores, desses que nasceram com a nação, se esboroaram definitivamente com o volver dos anos.

E é pena. Muito velho costume, velho e pitoresco, abandonamos sem justificativa que abone. Querem ver? Aponto aqui, como exemplo, aquele respeitável hábito das mais autênticas mulheres brasileiras, as tapuias, que, segundo o grave testemunho do padre João Daniel, "ainda que os maridos lhes dêm má vida ou as môam de pancadaria, nunca se queixam as mulheres, nem fogem. Antes, algumas vezes que se lhes perguntam porque se deixam tratar assim, respondem que simplesmente seus maridos lhes dão e as maltratam por lhe quererem muito bem..."  Não quero, está claro, pretender que nós, por um conservantismo feroz, cheguemos a ponto de manter um uso como esse, que embora eu, pessoalmente, o repute de grande alcance, muito útil e louvável, seria talvez, no conceito avançado de algum espírito moderno, tido como evidentemente retardatário.

Eu não digo, vá lá, que um marido amoroso, a fim de bem evidenciar o seu afeto, viva a moer a mulher de pancadaria. Não. Há outros usos muito mais proveitosos, e inconfundivelmente raciais, que deveríamos caprichar em conservar. Um, sobretudo, um hábito saboroso de nossas avós, todo feito de poesia e sacrifício, eu não me conformo de terem as brasileiras lançado ao olvido. Devíamos pugnar por vivificá-lo. Sim, devíamos, neste momento de nacionalismos vermelhos, pugnar por desentulhar do esquecimento, praticando-a à luz do sol, aquela doce usança pátria, de que nos dá conta, deliciosamente, na sua "Viagem á Terra do Brasil", o fidedigno Gabriel Soares, quando refere que as tupinambás, nossas ancestrais, criaturas brandas de coração, não suportavam jamais ver os maridos tristes e enfadados. Doía-lhes imenso a melancolia dos esposos. Doía-lhes tanto, que, "para os contentarem, buscam-lhes indias moças com que elles se desenfadem, as quaes lhes levam às redes onde dormem, pedem muito que se queiram deitar com os maridos, e as peitam para isso. É cousa que não faz nenhuma nação de gentes, senão estes barbaros".

Porque haveremos nós de deixar perecer uso assim tão característico? É ele, como se vê, um dos mais típicos de que se pode gabar um povo. É único. "É cousa que não faz nenhuma nação de gentes". Nós, que importamos, com macaquices assinaladas, tudo o que cheira além-mar, nós temos em casa, prata nossa e legítima, essa sedutora usança racial, bem brasileira, que os outros não têm. É dever nosso, portanto, dever cívico, não deixá-la morrer.

Às vezes, como consolo, esse velho uso - notai o que é a hereditariedade! - ainda aflora, inconscientemente, em algumas almas bem formadas. É raro, mas acontece.

Paulo Setúbal, O Ouro de Cuiabá, A Veluda, Editora Nacional, Pgs. 165,166,167. 

domingo, 8 de janeiro de 2012

Bei dir



Wo das Wasser kalt und klar,
Nas águas frias e cristalinas,
hab ich Dich einst gesehn,
Onde uma vez eu te vi,
wo ich mit Dir zusammen war,
No lugar onde eu estive com você,
bleib ich für immer stehn.
Lá eu permaneço eternamente
Ist mein Herz verloren
Estará o meu coração perdido,
wo ich mit Dir war
onde contigo eu estive?
und nur die Erinnerung
E apenas as memórias
bleibt für immer da.
restarão para sempre lá.

Bei Dir will ich sein,
Com você eu quero estar,
noch einmal bei Dir,
Mais uma vez ao teu lado,
bei Dir will ich sein,
Com você eu estarei,
für immer bei Dir,
Para sempre contigo,
mit Dir will ich gehn,
Com você eu irei,
für immer mit Dir,
Para sempre com você,
ganz tief am Abgrund stehn,
Mesmo nas profundezas dos abismos,
für immer und hier.
Para sempre e aqui.

Und in meinen Träumen
E nos meus sonhos,
bist Du Tausendschön,
Você é uma flor,
wirst Du mir erscheinen,
Apareces à mim,
werd´ich mit Dir gehen.
E com você eu vou.
Und die Tränen rannen,
E as lágrimas correm
hab ihr Salz geschmeckt
Eu provei delas o salso sabor,
und die Lippen brannten
E os lábios queimam,
hab sie sanft bedeckt.
Os tenho espargidos em seu doce néctar,

Bei Dir will ich sein,
Com você eu quero estar,
Noch einmal bei Dir,
Mais uma vez ao teu lado,
Bei Dir will ich sein,
Com você eu estarei,
Für immer bei Dir,
Para sempre contigo,
mit Dir will ich gehn,
Com você eu irei,
Für immer mit Dir,
Para sempre com você,
Ganz tief am Abgrund stehn,
Mesmo nas profundezas dos abismos,
Für immer und hier.
Para sempre e aqui.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Mafra

 Palácio nacional de Mafra 1853



Colossal, mas não grandioso, esse edificio, que foi concebido por um allemão, esse edificio, segundo a phrase de notavel escriptor contemporaneo, é uma verdadeira brutalidade de pedra. Não correspondendo a um grande sentimento, não exprimindo uma aspiração generosa, não sendo nem siquer, como Versailles, o symbolo do despotismo orgulhoso, a aspiração olympica dum Rei que chegou a convencer-se da sua propria divindade, Mafra tem a chateza mesquinha do beaterio, a vulgaridade exhuberante da opulencia desalumiada do gosto artistico.
~ Pinheiro Chagas citado por Paulo Setubal em o Ouro de Cuiabá, sobre o perdularismo de Dom João V com o ouro brasileiro.