domingo, 7 de setembro de 2014

Wagner em Bayreuth

~ "Precisamos aprender a morrer, no sentido mais completo da palavra, pois o medo do fim é a fonte de todo egoísmo e surge sempre que o amor se extingue... Wotan se lança à altura trágica, ele quer seu declínio. Isso é tudo o que devemos aprender da história da humanidade: querer o necessário e realizá-lo." ~ pg 32

~ Quem de nós não sujou suas mãos e sua alma a serviço dos repugnantes ídolos da cultura moderna?! Quem não precisa da água purificadora, quem não escuta a voz que adverte: "Façam silêncio e sejam puros!"? Façam silêncio e sejam puros! Somente escutando essa voz poderemos adquirir essa amplitude do olhar a partir da qual contemplaremos o acontecimento de Bayreuth: e é somente nesse olhar que reside o grande futuro desse acontecimento. ~ pg42

~ Em vez de dar ouvidos a esses vãos consolos, ele suporta fixar seu olhar profundamente insatisfeito em nossa essência moderna: pouco importa que se encha de bílis e raiva se seu coração não é suficiente caloroso para ter compaixão! Malícia e escárnio seriam melhores do que se entregar, à maneira de nossos "amadores de arte", a um bem-estar enganoso e a um alcoolismo secreto! ~ pg76

~ Outrora se olhava de cima, com franca superioridade, os que lidavam com o comércio de dinheiro, mesmo quando se precisava deles; admitia-se que toda sociedade devia ter suas entranhas. Atualmente eles são o poder dominante na alma da humanidade moderna e seu componente mais ávido. ~ pg78

~ A partir de sua experiência, ele compreendeu a situação vergonhosa na qual se encontram a arte e o artista: em uma sociedade sem alma ou com alma endurecida, que se considera boa, mas que é propriamente má, arte e artista contam como séquito de escravos para satisfação de necessidades aparentes. ~ pg97

~ Mas como viviam o mito e a música em nossa sociedade moderna na medida em que não foram por ela destruídos? Uma sorte semelhante lhes foi reservada como expressão de seu misterioso vínculo: o mito foi profundamente rebaixado e desfigurado, degenerado em "conto", relegado ao domínio lúdico que dá alegria às crianças e mulheres de um povo em decadência, completamente despojado de sua maravilhosa natureza viril, grave e sagrada; a música foi conservada entre os pobres e simples, entre os solitários; ao músico alemão não foi possível se integrar com êxito ao empreendimento de luxo das artes, convertendo-se ele próprio em um conto monstruoso, hermético, repleto dos sons e signos mais comoventes, um questionador desajeitado, inteiramente enfeitiçado e necessitando de de libertação. ~ pg99

E agora, gerações do presente , é preciso que perguntem a si próprios: terá sido para vocês que tudo isso foi inventado? Vocês têm a coragem, com suas mãos sobre as estrelas dessa inteira abóbada celeste de beleza e bondade, de mostrar e de dizer: esta é nossa vida que Wagner transportou até as estrelas?

Quem são, dentre vocês, os homens capazes de interpretar a imagem divina de Wotan segundo suas próprias vidas e que se tornam, como ele, maiores na medida de seu declínio? Quem de vocês, que sabe e experimentou que o poder é mau, quer renunciar a ele? Onde estão os que, como Brünnhilde, entregarão por amor seu conhecimento e, por fim, retirarão de sua vida o conhecimento supremo: "A mais profunda dor de um amor em luto abriu-me os olhos"? E os heróis livres, sem medo, que crescem e florescem em inocente autonomia, os Siegfried, onde estão entre vocês?

Quem assim pergunta, e pergunta em vão, deverá voltar os olhos em busca do futuro: e caso seu olhar venha a descobrir, em algum longínquo lugar, aquele "povo" ao qual será dado ler nos signos da arte wagneriana sua própria história, compreenderá por último, também, o que Wagner será para esse povo: ele não pode ser para nós todos, talvez como tenha sido nossa impressão, o vidente de um futuro, mas sim o intérprete e transfigurador de um passado. ~ pg. 140-141

Wagner em Bayreuth, F. Nietzsche, Zahar editora.