quarta-feira, 29 de junho de 2011

Cavaleiro dos Espelhos




Dai-me um roteiro que eu, senhora, siga,
a vosso bel-prazer feito e cortado,
que por mim há-de ser tão respeitado,
que nem num ponto só dele desdiga.

Se vos apraz que eu morra, e que a fadiga
que me punge, a não conte, eis-me finado!
Se preferis que em modo desusado
vo-la narre, eu farei que Amor a diga.

De substâncias contrárias eu sou feito,
de mole cera e diamante duro;
às leis do amor curvar esta alma posso.

Brando ou rijo, aqui tendes o meu peito,
engastai, imprimi a sabor vosso!
Tudo guardar eternamente eu juro.

CERVANTES SAAVEDRA, Miguel de; O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha, Tomo II, Capítulo XII.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Solstício de Verão


Summer solstice your hand in mine

Solstício de verão, suas mãos nas minhas,

Summer solstice so divine

Solstício de verão, tão divino,

A pledge to keep to sun above

Uma promessa para manter o sol no zênite,

A pledge to you my love

Um juramento a ti, meu amor.


Summer solstice glorious and golden

Solstício de verão, glorioso e dourado,

Summer solstice fertile and gilden

Solstício de verão, fértil e jovial,

A homage to life in all it's bloom

Uma homenagem a vida em todo seu fulgor,

Circle of the sun rekindle the fire

O círculo solar reanima as chamas.


Summer solstice your hand in mine

Solstício de verão, suas mãos nas minhas,

Summer solstice here in Sonnenheim

Solstício de verão, aqui em Sonnenheim(reino ou pátria do sol)

A pledge to keep to sun above

Uma promessa para manter o sol em seu zênite,
A pledge to you my love

Um juramento a ti, meu amor.

O que se chama "Festa de São João" nos países latinos europeus e "Solstício de Verão" nos países do norte, é uma e a mesma coisa, O Solstício de Verão nos países nórdicos conservou seu caráter pagão, no sul, a igreja cristianizou tal celebração, celebrava-se o retorno do sol após o inverno, e a fertilidade entre os casais.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Amor Socrático

Por que motivo um vício que se fosse geral extinguiria o gênero humano, atentado infame à natureza, é contudo tão natural? Parece o último degrau da corrupção refletida – Entanto manieta de cotio[prende] adolescentes que nem sequer tiveram tempo de ser corrompidos. Entra corações tenros que não conhecem nem a ambição, nem a fraude, nem a sede de riqueza. É a juventude cega que, por instinto mal definido, se precipita na depravação apenas dobra a infância. Bem cedo se manifesta a inclinação recíproca dos sexos. Mas, diga-se o que se disser das mulheres africanas e da Ásia meridional, essa inclinação é geralmente muito mais forte no homem que na mulher. É uma lei que a natureza ditou aos animais. É sempre o macho que ataca a fêmea. Sentindo essa força que a natureza começa a insuflar-lhes e não encontrando o objeto natural do instinto, atiram-se os jovens machos da nossa espécie sobre o que melhor se lhe semelhe. Não raro, pela frescura da tez, pelo lustre das cores, pela doçura dos olhos, durante dois ou três anos um jovem parece-se a uma rapariga. Se o amamos, é porque a natureza se equivoca. Amamos nele o sexo a que evoca sua beleza. Até que, dissipando-se a semelhança, a natureza se corrige.

Citraque juventam
oetatis breve ver et primos carpere flores

Assaz sabido é ser esse equívoco da natureza muito mais comum nos climas suaves que nos gelos do norte. Porque nos climas mais doces o sangue é mais quente e mais freqüente a ocasião. Daí o que não se considera mais que uma fraqueza no jovem Alcibíades ser uma abominação num marinheiro holandês ou num vivandeiro moscovita. Não posso admitir que, como se pretende, tenham os gregos autorizado semelhante licenciosidade. Cita-se o legislador Sólon por haver dito em dois maus versos:

Algum dia inda amarás
um glabro e belo rapaz.

Mas seria Sólon legislador quando escreveu essa ridícula parelha? Ainda era jovem. E quando o libertino se fez sábio, não iria incluir tamanha infâmia nas leis da sua república. É como se se acusasse Teodoro de Besis de ter pregado o homossexualismo em sua igreja por haver, na juventude, dedicado versos ao jovem Cândido e dito:

Amplector hunc et illam.

Abusa-se do texto de Plutarco, que, em suas tagarelices no Diálogo do Amor, faz dizer a uma personagem que as mulheres não são dignas do amor verdadeiro. Outra personagem, porém, sustenta devidamente o partido das mulheres. Certo é, tanto quanto o pode ser a ciência da antigüidade, que o amor socrático não era um amor infame. A palavra amor foi que enganou. O que se chamavam os amantes de um jovem era nem mais nem menos o que são hoje os infantes de companhia dos nossos príncipes, os jovens companheiros de educação de um menino distinto, participando dos mesmos estudos, dos mesmos exercícios militares – instituição guerreira e santa de que se abusou como das festas noturnas e das orgias. A tropa dos amantes instituída por Laio era um corpo invencível de jovens guerreiros unidos pelo juramento de dar a vida uns pelos outros. Foi o que de mais belo possuiu a disciplina antiga.

Asseveram Sexto Empírico e outros que o homossexualismo tinha guarida nas leis da Pérsia. Que citem o texto da lei. Que mostrem o código dos persas. Mas ainda que o provem eu não acreditarei – Direi que é mentira. Porque não seria possível, não é da natureza humana elaborar uma lei que contradiz e ultraja a natureza. Lei que aniquilaria o gênero humano se fosse literalmente observada. Práticas vergonhosas toleradas pelas leis do país! Sexto Empírico, que duvidava de tudo, devia duvidar dessa jurisprudência. Se vivesse em nossos dias e visse dois ou três jesuítas abusarem de alguns escolares, teria direito de concluir ser tal depravação permitida pelas constituições de Inácio de Loiola?

Era tão comum o amor entre rapazes em Roma que ninguém pensava em puni-lo. Otávio Augusto, esse assassino devasso e poltrão que teve o desplante de exilar Ovídio, achou muito natural que Virgílio cantasse Aleixo e Horácio escrevesse odes a Ligurino. Não obstante, sempre subsistiu a lei Scantínia, preventiva da pederastia. Repô-la em vigor o imperador Filipe, que expulsou de Roma os meninos que se dedicavam ao ofício. Enfim não creio que em tempo algum nação civilizada haja lavrado leis contra os próprios costumes.

VOLTAIRE, Dicionário Filosófico.

Os raios lunares pela janela...

Os raios lunares pela janela,
denotam a face singela,
olhar fixo ao chão,
mente em pensamento loução.

Da alta noite o silêncio,
à morte propenso,
esquecido pelas ruas
vagas em formas nuas.

Para quietude da floresta
à aplacar a dor que se apresta,
da mata o negrume,
riscado pelo vagalume.

E a floresta em sua multitude
guarda em minha serena atitude
do passado ecos longínquos
de valores já extintos.

Quando já não posso mais gritar
o que me lacera por dentro,
sou obrigado a errar
imergido em sofrimento.

E minha alma daqui não se pode mover,
na floresta pela eternidade,
perpétuo anoitecer,
permaneço, açoitado em soledade.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Poema

Vagando por caminhos infindos,
buscando resposta em meu interior,
demônios, da noite vindos
caçam-me no meu langor.

Perdido em minha confusão mental
apenas a dor compõe minhas melodias,
e a dor somente é real
pois a dor permeia meus dias.

Insuportável opressão da alma,
ao meu redor tudo parece ruir,
fogem-me toda serenidade e calma,
é o mundo que eu quero destruir.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Reminiscências


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"In the world I see - you are stalking elk through the damp canyon forests around the ruins of Rockefeller Center. You'll wear leather clothes that will last you the rest of your life. You'll climb the wrist-thick kudzu vines that wrap the Sears Tower. And when you look down, you'll see tiny figures pounding corn, laying strips of venison on the empty car pool lane of some abandoned superhighway." ~ Tyler Durden

Quadrinhos: Space Avalanche

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Abstrações de "Cavalgar o Tigre"




Sensação ativa. Existência ativa.

A receptação das sensações em concerto com o Eu transcendente e a consciência de si mesmo, a derrocada da frivolidade material e passional, o não uso de parâmetros sub-intelectuais para definir a individualidade, carne, paixões, emoções, são fatores que turvam o claro entendimento da consciência como ela é, e assim, despido dessas vendas, alguém pode buscar sinceramente o conhecimento de si mesmo, ante a dissolução e confusão de valores, sinais, e estruturas morais e filosóficas do homem moderno. Esquizofrenia coletiva, outrossim narcisismo, consultar o Sátiro.

A busca de si mesmo através de experiências e testes de força, de caráter, espirituais e físicos, que ao fim e ao cabo, não são mais que um e o mesmo.

Ter a honestidade de fazer as grandes perguntas que estruturam a existência intelectual e física do homem, ter a capacidade para buscar suas respostas, desenvolver o caráter, força, e resiliência para acreditar nas próprias respostas, estas, estando de acordo com as leis do próprio espírito individual, o eu transcendente ou consciência de si mesmo, termos diferentes para denominar o mesmo. Pois se na matemática a verdade não é subjetiva, no reino da consciência é propriamente o contrário, e mormente, aqueles que são fiéis a si mesmos e suas cosmovisões impolutas por tangências periféricas sub-intelectuais já apontadas acima, são fiéis a própria verdade metafísica, e atingem a vitória transcendente, e não raramente, também a vitória material.

"Se conheceis o inimigo e vós mesmos, não deveis temer o resultado de cem batalhas. Se conheceis a vós mesmos, mas não conheceis o inimigo, para cada vitória alcançada sofrereis uma derrota. Se não conheceis nenhum dos dois, sereis sempre derrotado." ~ Sun Tzu

Amor fati

Segundo Karl Jaspers, não apenas a obediência passiva a um destino predeterminado, conhecido, calculável. Mas a ciência que, em face de cada experiência e tudo o que for ambíguo, incerto e perigoso na vida de um indivíduo, o mesmo jamais desviar-se-á do caminho imposto por seu próprio espírito. O fator essencial nesse tipo de atitude, é a confiança transcendente da qual dimana intrepidez e segurança perante a vida.

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quinta-feira, 9 de junho de 2011

Damnatio Memoriae

— Isso se assemelha, Sancho — tornou D. Quixote — ao que sucedeu a um famoso poeta do nosso tempo, o qual, tendo feito uma maliciosa sátira contra todas as damas loureiras, nem incluiu nem nomeou uma, de quem se podia duvidar se o era ou não, a qual, vendo que não estava na lista das damas, se queixou ao poeta, perguntando-lhe que motivo tivera para a não meter entre as outras, acrescentando que ampliasse a sátira, e a introduzisse, senão que tivesse tento em si. Obedeceu o poeta, e pô-la pelas ruas da amargura, e ela ficou satisfeita por se ver afamada e infamada. Também vem à colação o que contam daquele pintor que deitou fogo ao templo de Diana, considerado uma das sete maravilhas do mundo, só para que se imortalizasse nos séculos vindouros, e, ainda que se mandou que ninguém fizesse, de viva voz nem por escrito, menção do seu nome, para que não conseguisse o fim do seu desejo, soube-se todavia que se chamava Eróstrato. Também se parece com isto o que sucedeu ao grande imperador Carlos V com um cavaleiro, em Roma. Quis ver o imperador aquele famoso templo da Rotunda, que na antiguidade se chamou o templo de todos os deuses, e agora com melhor invocação se chama de todos os santos, e é o edifício que mais inteiro ficou dos que foram levantados pela gentilidade em Roma, e o que mais conserva a fama da grandiosa magnificência dos seus fundadores: é do feitio de meia laranja, muitíssimo grande, e muito claro, sem lhe entrar mais luz senão a que lhe concede uma janela, ou, para melhor dizer, clarabóia, que está no teto, donde o imperador contemplou o edifício; tinha ele ao seu lado um cavaleiro romano, que lhe dizia os primores e as sutilezas daquela grande máquina e memorável arquitetura, e, tendo-se tirado enfim dali, disse ao imperador: “Mil vezes, meu senhor, me veio o desejo de me abraçar com Vossa Sacra Majestade, e atirar-me dali abaixo, para deixar eterna fama no mundo.” “Agradeço-vos, respondeu o imperador, não terdes levado a efeito tão mau pensamento, e daqui por diante não vos porei mais em ocasião de poderdes dar prova da vossa lealdade, e assim vos mando que nunca me faleis, nem estejais onde eu estiver.” E ditas estas palavras, fez-lhe uma grande mercê. Quero dizer com isto, Sancho, que o desejo de alcançar fama é ativíssimo. Quem pensas tu que atirou com Horácio Cocles da ponte abaixo, armado com todas as armas, nas profundidades do Tibre? Quem abrasou a mão e o braço de Sœevola? Quem impeliu Cúrcio a arrojar-se ao ardente vórtice que apareceu no meio de Roma? Quem, contra todos os agouros, fez passar a Júlio César o Rubicão? E com exemplos mais modernos, quem afundou os navios e deixou em terra e isolados os valorosos espanhóis, que o grande Cortez guiava à conquista do Novo Mundo? Todas estas e outras façanhas são, foram e hão-de ser obras da fama, que os mortais desejam como prêmio e antegosto da imortalidade que os seus feitos merecem, ainda que os católicos e cavaleiros andantes mais havemos de atender à glória dos séculos vindouros, que é eterna nas siderais regiões, do que à vaidade da fama, que neste presente e mortal século se alcança, a qual, por muito que dure, enfim há-de acabar com o próprio mundo, que tem o seu fim marcado. Assim, ó Sancho, não saiam as nossas obras dos limites que nos impõe a religião cristã que professamos. Matando os gigantes, matemos o orgulho; combatamos a inveja, com a generosidade; a ira, com a placidez de um ânimo tranqüilo; a gula e o sono, com as curtas refeições e as longas vigílias; a luxúria e a lascívia, com a lealdade que guardamos às que fizemos senhoras dos nossos pensamentos; a preguiça, com o andar por todas as partes do mundo, procurando as ocasiões que nos possam fazer e nos façam, além de cristãos, gloriosos cavaleiros. Vês aqui, Sancho, os meios por onde se alcançam os extremos de louvor que traz consigo a boa fama?

SAAVEDRA, Miguel de Cervantes, O engenhoso fidalgo Dom Quixote de la Mancha, Capítulo VIII, Tomo II.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Vontade transcendente




Há dois caminhos, por onde os homens podem chegar a ser ricos e considerados: um é o das letras, o outro o das armas. Eu, pela inclinação que tenho para as armas, vejo que nasci debaixo do influxo do planeta Marte, de forma que me é forçoso seguir por esse caminho; por ele hei de ir malgrado a toda a gente, e debalde vos cansareis em persuadir-me a que não queira o que os céus querem, o que a fortuna ordena, o que pede a razão, e, sobretudo, o que a minha vontade deseja; pois sabendo, como sei, os inúmeros trabalhos que tem a cavalaria andante, sei também os bens infinitos que com ela se alcançam, e sei que a senda da virtude é muito estreita, e o caminho do vício largo e espaçoso, que os seus fins e paradeiros são diferentes, porque o do vício, dilatado e espaçoso, acaba na morte, e o da virtude, apertado e íngreme, acaba em vida, e não em vida que tenha termo, mas na vida eterna, e sei como disse o nosso grande poeta castelhano:

Conduz-nos esta aspérrima vereda
da imortalidade ao alto assento,
aonde não chega quem dali se arreda.*


SAAVEDRA, Miguel de Cervantes, O engenhoso fidalgo Dom Quixote de la Mancha, Capítulo VI, Tomo II.

*Garcilaso, Elegia, I.