quinta-feira, 6 de junho de 2013

Criminosos

Em criminologia, sobretudo, sabemos perfeitamente que as possibilidades de transformar em indivíduos sociais os que sofrem de uma deficiência de vida afetiva são precárias. É o caso dos que nasceram com essa deficiência e dos infelizes que adquiriram devido a educação deficiente ou a uma síndrome de hospitalismo. A ausência da mãe na primeira infância determina uma espécie de incapacidade para estabelecer ligações sociais, quando não provoca perturbações mais graves. Esses se assemelham estranhamente a uma perturbação afetiva inata. Nem todas as taras endógenas são incuráveis, mas é verdade que muitas das perturbações adquiridas são ainda mais difíceis de curar. O velho adágio médico pelo qual mais vale prevenir do que curar, é absolutamente válido para as perturbações psíquicas.

A fé no poderio onipotente das reações condicionadas tem grande parte de responsabilidade em certos estranhos erros judiciários. Em suas  conferências na clínica Menninger de Topoka, Hacker citava o caso de um jovem assassino submetido a um tratamento psicoterapêutico, e em seguida considerado curado e devolvido à liberdade. Cometeu logo outro assassinato, e em seguida mais três. Foi preciso esperar que o criminoso executasse sua quarta vítima para que a sociedade, imbuída de princípios humanitários e behavioristas, admitisse que esse homem representava um perigo público. Comparadas aos estragos causados pela atitude da opinião contemporânea em matéria de crime, essas quatro mortes parecem um mal menor. A convicção, elevada ao nível de religião, de que todos os homens nasceram iguais e que as taras e os defeitos do criminoso são devidos a uma educação frustrada por falta dos educadores, contribui para aniquilar o sentimento normal do bem e do mal, sobretudo no culpado, que se compadece de si mesmo e se considera vítima da sociedade. Recentemente a manchete de um jornal austríaco trazia: “Rapaz de dezesseis anos mata por medo dos pais”. O Rapaz tinha violentado a irmã de dez anos, estrangulando-a em seguida quando ela ameaçara contar tudo aos pais. É possível que, no encadeamento complexo das causas e dos efeitos, os pais tenham tido uma parte da responsabilidade. Em todo caso, não a de inspirar um medo excessivo a seu filho.
 
Essas formas extremas e patológicas que se manifestam na opinião pública, tornam-se compreensíveis quando sabemos que a opinião é uma função de um dos sistemas de regulagem cuja tendência à oscilação já indicamos. A opinião pública é inerte, ela só reage a influências novas depois de longos períodos de insensibilidade. Além do mais é ávida de simplificações grosseiras, brotando geralmente do exagero de uma situação. É por isso que a oposição que se levanta contra uma opinião generalizada tem quase sempre razão. Nesses confrontos, a oposição adota posições arrebatadas que jamais tomaria se não tratasse de compensar o parecer contrário. Se a opinião reinante desaba repentinamente, como costuma acontecer, o pêndulo oscila então em sentido contrário para uma posição igualmente exagerada.

A forma caricatural da democracia liberal contemporânea se situa no ponto culminante da oscilação do pêndulo. No ponto oposto, encontramos Eichmann e Auschwitz, a eutanásia, o ódio racial, o genocídio e o linchamento. É preciso sermos clarividentes e saber que de um lado e de outro se encontram valores autênticos. Que são: o livre desenvolvimento do indivíduo, do lado esquerdo, e um bom equilíbrio sócio cultural do lado direito. Os atos desumanos provêm dos excessos cometidos em uma ou em outra direção. A oscilação está se acentuando, e o perigo já se delineia nos Estados unidos; esperemos que em reação contra a revolta justificada mas descomedida dos jovens e dos negros, não se forneçam a elementos extremistas de direita uma ocasião propícia para pregar, com o mesmo exagero incorrigível, a volta ao outro extremo. Pior ainda: não só o movimento dessas oscilações ideológicas continua sem freio, como elas manifestam uma perigosa tendência a aumentar, com o risco de precipitar e de provocar um desregramento catastrófico. Tentar frear o mais depressa possível esse processo infernal é tarefa dos sábios.
 
Aqui também, e é um dos numerosos impasses em que o mundo civilizado se deixou arrastar, os sentimentos de humanidade que devemos ter para cada um em particular se opõem aos interesses da espécie em geral. A pena que temos dos marginais, cuja inferioridade provém de lesões irreversíveis datando da primeira infância, ou de taras hereditárias, nos impede de proteger os seres normais. Não podemos mais, sequer, empregar as qualificações de superior ou inferior, falando dos homens, sem nos tornarmos suspeitos de pleitear pela câmara de gás.

Konrad Lorenz, Civilização e Pecado, A Degradação Genética, Pg. 71.

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