quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Homem não chora

Recentemente estava eu a rolar por posts recomendados numa rede social, quando me deparei com uma publicação de um "conservador de direita" relativamente famoso, que dizia que homens de verdade são programados pela natureza a não tolerar o choro de seus bebês.

Eu pensei "que tolice!", pensei igualmente que jovens impressionáveis ao ler tais argumentos e estudos que o tal indivíduo postara, poderiam ser levados a entender que aquilo é a realidade.

Pois, não é!

Quando um homem amadurece, e medita suficientemente sobre a natureza humana, é levado a considerar o que é ser humano, e certamente grande parte da humanidade é a capacidade de razão, mas outra parte, muitas vezes  desprezada ou deturpada, é a capacidade da empatia e formação de vínculos afetivos.

Inexistente, essa capacidade é desprezada pelos que pensam ser o homem uma máquina de guerra, com rígida face empedernida, em que não há lugar para fraqueza, diga-se sentimentos, mas dirige sua vontade somente para realizar as aspirações de poder e prazeres físicos, seu ego, e é indiferente aos que estão ao seu redor, e os vê somente como ferramentas ou degraus.

Quando existe, essa capacidade é deturpada por aqueles que a usam com fins maquiavélicos, fazem os sentimentos naturais do homem de afeição para com os seus, serem transpostos para completos estranhos, como classes supostamente vitimizadas, celebridades, etc. No fim, o homem com os sentimentos assim deturpados luta com mais ferocidade e amor por esses estranhos que por sua própria família e amigos.

O homem que não expressa seus sentimentos de modo idôneo é um tolo, que desperdiça sua vida e humanidade. Ou que tolhe seus sentimentos devido as convenções sociais modernas que comandam frieza e malícia, convenções das mais detestáveis que houveram por reger qualquer sociedade. 

O sentimento quando demonstrado em nossa sociedade, amiúde tem interesses egoístas, é eivado de segundas intenções, também há os que amam de modo suspeito, ansioso e paranoico, sempre esperando uma traição, nunca confiando totalmente, nunca se entregando ao sentimento e vivendo-o com a inocência e plenitude com que a natureza o fez nascer em nosso peito.

Mais torpe ainda, o amor em nossa sociedade tingiu-se de conotação sexual, o amor fraterno, filial, a amizade pura e simples, são desdouradas em favor somente do amor sexual. É o que é martelado constantemente na cabeça dos jovens, por todas as mídias possíveis. O amor sexual como fim derradeiro das relações humanas, como status social, como felicidade última, é um triste fim, não admira que esse tipo de amor sendo a base dos relacionamentos atuais, falha até mesmo naquilo em que deveria ser um dos pilares, o casamento, estamos na era do divórcio e da infertilidade.

O amor deve ser demonstrado, constantemente, claramente, o homem jamais deve conter um impulso amoroso e demonstração de carinho para seus amigos e familiares, o reforço dos laços afetivos é uma lei na natureza entre os animais sociais. E com que prazer e inocência eles se entregam ao amor filial! Nisso são superiores a nós.

E não está a história recheada de exemplos de heróis e colossos de virtude masculina que derramaram lágrimas por amigos e familiares ou por reencontros e despedidas? 

Do meu parco conhecimento de história clássica tiro exemplo da Ciropedia de Xenofonte. Onde o príncipe Ciro, paradigma de masculinidade e bom líder na antiguidade chora ao se despedir de seu avô e amigos na corte da Média para voltar a corte da Pérsia onde estava seu pai:

"...dizem que nenhum voltou sem lhe correrem as lágrimas. Ciro também se apartou debulhado todo em pranto, e por seus coetâneos distribuiu muitos presentes dos que Astíages lhe havia dado..."

E das esperanças de seu avô que Ciro correspondera posteriormente de modo brilhante:

"Astíages, além do afeto que lhe consagrava, nutria-se de grandes esperanças de que ele havia de ser o sustentáculo de seus amigos, o flagelo de seus adversários."

Ciro era espantosamente generoso com seus amigos, sabia ele que um homem sem amigos é um miserável, uma presa, uma vítima, um errante, num deserto destinado a definhar solitário. Sabia que a fonte de seu poder não era o ouro, mas a lealdade de seus amigos.


Dar largueza às suas emoções legítimas é a garantia de uma mente saudável e aberta, fazer o sentimento aflorar em si é a concretização de um propósito, o propósito humano.

Estar no seio de uma comunidade de iguais que se entendem e se apoiam, onde há confiança social, empatia, coesão. Um homem em tal meio jamais estará desamparado.

Já o homem neurótico, reprimido, estressado, da cidade grande, que não conhece a amizade, egoísta, esse sempre será um indivíduo, atomizado, vulnerável a qualquer predador.

É um homem sem face, apenas uma engrenagem substituível do sistema, ele não tem história, não tem cultura, e mesmo a artificial personalidade construída por ele, baseada em consumismo e mídia de massa é uma farsa, um combalido construto que ele fervorosamente espera, ao mostrar ao mundo em alguma rede social que há somente cliques, seguidores e seguidos, haja alguém que aprecie.

E não se enganem caros amigos, nós de fato vivemos num mundo efeminado em que a masculinidade é suprimida e condenada, e por não termos mais um padrão por qual nos medir como homens bons, por vezes demagogos ou simples ignorantes querem estabelecer um padrão de masculinidade irreal e desumanizador, cabe a nós lembrar que a epítome do que é ser homem já foi estabelecida por nossos ancestrais. Para sabermos o que é ser homem devemos saber quem foram, Xenofonte, Platão, Marco Aurélio, Ciro, Odisseu, Leonidas, etc.

Ciro


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