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sábado, 5 de dezembro de 2020

2020

Um ano cheio de percalços, tribulações e desditas, mas ao contrário de outros, não serei leviano ao atribuir tais calamidades ao fado. Não, fora eu meu próprio guia para a escuridão, eu o artífice de meu decaimento, descendo ao tétrico sorvedouro onde minha alma sofre em agonia, por perder-se, esquecer-se de si e corromper-se miseravelmente, escrava dos sentidos e de minha mente irracional ávida por prazeres obliterando-se.

Houveram oportunidades para reflexões sobre nossa condição humana e a aquisição de alguma sabedoria.

E para não dizer que foi um ano ignominioso por completo, houve sim uma ascensão, que foi quebrada e então deu inicio a precipitação.

Comecemos pela precipitação e consequentes desvegonhas.

É preciso confessar, não venci os vícios da gula e da luxúria, ou talvez os tenha vencido mas foi temporariamente.

Luxúria, azorrague esbraseante que aflige o coração dos homens, escurece a alma, deturpa num significado vil o mais sacro ato de amor entre homem e mulher, o próprio ato da concepção, criação de vida, corrompido num mero ato estéril de concupiscência e egoísmo, defraudando qualquer nobreza imbuída aí pela natureza. Que esse vício seja desarraigado de meu ser, pois para mim é sevícia tenebrosa viver nessa Babilônia, e que dor mais pungente participar disso, cego pelo frenesi de meu sangue abrasador. Meu coração contrito sofre profundamente.

Rogo a Deus por uma boa esposa, a quem possa amar e constituir família.

A gula, signo patente do homem remisso, amador de prazeres, um dos vícios mais deletérios, destrói a saúde e a alma. Oferece-nos, não obstante, um exemplo diserto, de como o pecado é, se por um lado as comidas naturais com seu sabor sóbrio alimenta e constrói nossos músculos e ossos, por outro, as comidas artificiais, insalubres, oferecem aos cachões sensações várias, deleitosas, mas que nos enfraquecem, depletam nossa saúde, encurtam nossos anos, mais ainda, cobrem de fealdade o templo de nossa alma, o nosso corpo. Tudo em troca de sensações fugazes, uma fuga da realidade através do prazer dos sabores.

Prefira o alimento que contenha a vida ao invés de tua destruição, a sobriedade é preferível a intensidade.

Assim eu confesso, Deus há de alçar-me de toda essa iniquidade, Ele conhece os recônditos de meu coração. Está comigo, não me abandonará.

Esse ano outrossim adquiri alguma sabedoria como consequência de eventos fatídicos. Nomeadamente, perdi um ente querido.

Fez-me pensar em como erramos pelas eiras da mortalidade, preocupando-nos apenas conosco, negligenciando nosso deveres afetivos, ignorando quem nos causa fastio, exigindo perfeição, nós imperfeitos. Como as pessoas estão cada vez mais frias, como se importam pouco com os outros.

Como o cálido sentimento de amizade é dos mais valiosos e puros, símbolo da virilidade castiça. Quem tem amigos tem tudo que precisa, quem tem uma comunidade, tem raízes, e não é derrubado tão fácil pelos demônios modernos.

Hoje somos escalpelados, se demonstramos nossa humanidade, temos de viver segundo os padrões ditados pela mídia, pseudovalores, dissoluções, sinalização de virtudes e corrupção da alma, a sociedade atual não quer que tu pertenças a grupo algum, senão aqueles aprovados pelo sistema, os politicamente corretos, se não pertencer a esses, eles querem que tu sejas somente um "indivíduo" sem face, sem história, um bom consumidor.

Voltando a meu aprendizado de humanidade, eu creio que perdi um pouco a recalcitrância em demonstrar sentimentos benévolos, a apreciar as pessoas e suas qualidades, a aplaudir, a elogiar sem a pestífera solércia de alguém que busca algo em troca ou tem outro fim ulterior.

Minha alma tornou-se mais afável e agradeço a Deus por ver o erro de meus caminhos de antanho, nesse sentido, tornei-me mais humano.

Diante de tal elocução, devo também reconhecer que nem tudo foram trevas, busquei alteroso os ares excelsos e quase consegui. Antes da fraudemia fechar as academias, tinha vencido a gula e graças aos treinos corporais atingia a melhor forma física de minha vida. Atingia a disciplina também para estudar a sério um livro que há muito desejava. Tudo isso durou até junho. Daí em diante despenhei-me numa voragem descendente que conduziu-me ao oblívio que estou hoje, mas tenho saúde, tenho sabedoria, sei o que devo fazer, a virtude é tangível para mim, e para ti também nobre leitor que dignou-se a ler este humilde texto até aqui, Deus está contigo e te dará forças e virtudes para materializar a visão de tua alma nesse plano material, acreditemos na vitória e confiemos.

Salve Deus!

sábado, 31 de outubro de 2020

Nostalgia, a perdição dos milênicos

A celebração da nostalgia é um veneno para a mente, e parece que com dispositivos eletrônicos isso se tornou pior, vemos uma geração mergulhada na nostalgia, de como foram na infância e adolescência, recordando de modo constante tais épocas.

Celebrar o passado como fazem os atuais, eu vejo como extremamente espúrio, vede-os, como celebram o aspecto material das épocas, e os supostos valores, são simplesmente a ausência de valores, visto que os anos 90 e começo dos anos 2000 não foram tão politizados.

Eles celebram a alma da época, um materialismo inveterado, marcas comerciais, mídia de massa, e cultura popular sem qualidade alguma. E presos a essas memórias vão envelhecendo querendo consumir a mesma cultura de quando eram jovens, ou até mesmo vivendo do mesmo modo quando eram jovens, transformando-se em adultos precários.

''A maioria das pessoas relaciona quadrinhos a filmes de super herói agora. Isso adiciona outra camada de dificuldade para mim. Não vejo um filme de super-herói desde o primeiro filme do Batman do Tim Burton. Eles arruinaram o cinema e também a cultura em certo nível. Há vários anos eu disse que achava que era um sinal perturbador que centenas de milhares de adultos estivessem fazendo filas para ver personagens que foram criados há 50 anos para entreter meninos de 12 anos. Isso parecia indicar algum tipo de vontade de escapar do mundo moderno e voltar para a infância nostálgica e idealizada. Isso parecia perigoso, estava infantilizando a população."

https://www.gamevicio.com/noticias/2020/10/alan-moore-criador-de-watchmen-diz-que-filmes-de-heroi-arruinaram-o-cinema-e-a-cultura/

Assim entorpecidos pelo passado, esquecem-se de criar o futuro, de arrostar o destino de modo inexorável, de escreverem sua própria história.

O passado sequer existe de fato, se alguém eliminar um homem, elimina junto toda a percepção de passado que tal homem possui, suas memórias, e o mundo segue imperturbado. O que existe realmente é o aqui e agora, o homem deve construir sua história baseado em decisões concretas, o passado pode ser usado como parâmetro para previsões técnicas e reconhecimento de padrões, mas fiar-se ao passado por razões puramente sentimentais é um erro brutal, que custa ao homem tempo não vivido, e isso é o maior dos desperdícios.

O homem assim engolido pelo passado é como o drogado que tenta preservar sua felicidade imaginária a cada dose somente para retornar a um presente cada vez mais negro, sentindo sua juventude e  forças vitais desvanecerem com a chegada da idade.  O perdulário dissipando sua maior riqueza, o tempo.

Existe um modo saudável de cultuar o passado, encarnando em si os valores transcendentais, perenes, a virtude imutável, aquilo que o homem sente presente em seu sangue, instintos. Aquilo que não muda de geração em geração, tal qual gosto musical ou o que passa na TV, ou quem você era há uns anos atrás. Tudo isso é fraco e impeditivos da vida em todo seu esplendor, quem cultua o passado assim, já morreu.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Reflexões 1

Muitas vezes o homem é arrogante no que tange seus objetivos, ou se alcança uma vitória completa e idealizada ou ele é tomado por uma apatia inexorável e solta as rédeas do seu destino, deixando-se levar pela maré do acaso.

Muitos não tem a humildade de reconhecer que porventura suas contribuições para a completação de seus ideais serão exíguas ou pequenas, desanimam.

Remete a parábola do que pequeno pássaro que tenta apagar o incêndio na floresta carregando água em seu bico, esse no entanto persevera, ao contrário do homem acima mencionado.

Quando o ego obseda a mente tendemos a achar que nossos princípios e esforços são em vão por serem humildes e portanto descartáveis e indiferentes, mas não são. Acontece, mormente, que não conhecendo a extensão de nossas forças ou talvez desejando que elas fossem maiores, ou nossas aptitudes fossem mais glamourosas, a apatia e desencorajamento faz o homem descair nas voragens do niilismo, e assim sendo, perde seu verdadeiro 'eu' nas trevas do vício e indolência.

Mas quem faz e trabalha, na medida de suas forças, para o avanço da virtude no mundo e em si, esse se iguala em nobreza a príncipes e cavaleiros. Perante Deus e o universo, não há diferença metafísica no valor da ação, o valor ontológico é atribuído à proporção e não à quantidade.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Volta atrás

SE eu te enviasse 10, 20 anos atrás, e você fosse restaurado com suas forças plenas, e conservasse uma memória vaga de qual seria seu futuro, sem especificidades ou datas, você seria uma pessoa diferente?

É provável que não. Muito do nosso futuro é decidido mais pelas ações cotidianas e pela nossa capacidade de alterar nossa rotina diária, de algo sem sentido e/ou destrutivo, para algo que tenha um objetivo, uma finalidade.

E do que nossa rotina é constituída? Mormente de prazeres pequenos e coisas dentro de nossa zona de conforto, e essa zona é onde todo humano deseja estar eternamente, para sua desdita porém, é essa mesma zona que o impede de avançar e se aperfeiçoar.

Porque o prazer próximo, que está perto, acessível, mesmo que seja pequeno ou infame, é exponencialmente mais irresistível, do que um prazer maior e bom, que esteja distante no espaço ou tempo. Longe de nossos sentidos.

Essa reflexão é necessária, pois o você de hoje é o você de 1 ano a frente, trazido de volta no tempo, consciente de todos os seus defeitos, sabedor de tudo o que tem que mudar para o auto-aperfeiçoamento, porque você não muda? 

E porque através de exercícios de imaginação e reflexão não traz para sua mente e sentidos, benefícios e prazeres benévolos que não obstante estarem longe no espaço-tempo valem a pena o esforço para obtê-los?

Porque se deixar vencer pela mediocridade cotidiana e pela zona de conforto? Quando a grandeza e a virtude estão ao seu alcance, se assim o desejares? Porque viver uma vida animal de prazeres mesquinhos, quando podes realizar o seu pleno potencial humano?

domingo, 12 de março de 2017

Continuar

Estive a pensar em sustar minhas atividades nesse blogue, deveras durante o ano passado, dediquei-me, ainda que precariamente, as traduções. Mas meditei e cheguei a conclusão que não, já derramei muito do meu espírito nessas páginas para desistir agora, e em nenhum outro meio eu me expresso como aqui. Apesar de ser deserto.

Confesso, a interação social, ou falta dela me desmotiva, mas olhando para trás e analisando o principal motivo de eu criar esse blogue, escrever de mim à mim, não ter companheiros de viagem não seria um motivo sensato para eu fechar essa empreitada. Tudo isso, claro, em perspectiva de que outras redes sociais de compartilhamento de textos facilitam muito mais a participação dos usuários. Todavia deveras, sucumbir a essas veleidades seria um erro.

Essa solitude ao invés me permite contemplar, ser humilde, meditar em mim mesmo, me refrear, e silenciar o zumbido social que é a adicção da sociedade moderna, nesse ponto, esse blogue é meu espaço de meditação e transcendência, é meu deserto em que reflito nesses 40 dias eternos, a solitude solar, a destruição do ego voraz, e a ascensão ao caminho da virtude.

Essas reflexões são internalizadas, cinzeladas na alma, pelo silêncio e vazio sublime, onde meu verdadeiro eu pode irradiar-se e pervadir com sua benevolência todos recônditos da minha mente, que amiúde se descaminha em torrentes apaixonadas de sentimentos que não me enobrecem, nem me elevam, causadas pelo ego desfigurante.

Saúdo a ti, oh sagrada e pura solitude, faz-me transcender e elevar-me sobre mim mesmo.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Esteja em ambientes saudáveis

O Dalai Lama dissera em seu livro palavras de sabedoria; "Esteja com pessoas de condição inferior a você e decairá, esteja com pessoas de condição igual a tua e permanecerá o mesmo, esteja com pessoas superiores e ascenderá". Naturalmente essa classificação que ele faz das pessoas não se refere a condição econômica e sim espiritual. É uma verdade indelével outrossim.

Eu creio que as tendências genéticas determinam de modo inexorável o comportamento da maioria das pessoas, no entanto, reconheço as influências benéficas ou não, da criação a que foi submetido um indivíduo, vou ainda além, e digo que como nós seres humanos somos animais sociais, geralmente se um indivíduo de cultura diferente, for imiscuído sozinho em outro grupo ele acabará por adotar a cultura do grupo ou no mínimo sincretizar a sua cultura com a do grupo. Note-se, eu disse um indivíduo isolado e não indivíduos, pois tudo isso é o contrário se imiscuirmos grupos dentro de grupos, se no caso for um grupo pequeno dentro de um grupo grande raramente ocorre assimilação, ao invés, ocorre hostilidade, com cada grupo lutando pelo poder, isso a história já provou e continua a provar. A assimilação entre grupos somente ocorre se os grupos tiverem culturas parecidas.

Quem vive hoje no monturo da sociedade moderna, deve aprender a selecionar os ambientes que frequenta se não quiser ter sua cultura deturpada, afinal geralmente nós somos sós, especialmente num país como o Brasil, estando em ambientes degenerados você somente conhecerá pessoas iníquas, terá oportunidades infames, e estando envolto nessa cultura ignóbil, logo verá a estrutura de seus pensamentos afetada por toda essa sujeira. Drogas, promiscuidade, ignorância, ateísmo, corrupção, materialismo, são tudo que esses plebeus tem para oferecer, seu dever é declinar esses presentes hediondos.

Estar com pessoas que estimulem nossa inteligência e virtude, esse é um aspecto da verdadeira amizade, pessoas assim são raras, e por vezes somente as encontramos entre os mortos, nos livros. Não obstante isso, minhas recomendações gerais são de se manter a socialização, procure eventos que afastem os degenerados, por exemplo os de manhã, como corridas de rua, passeios ciclísticos, festivais tradicionais, feiras estudantis e de livros, festas de igreja, eventos familiares em geral.

Se você tiver de sair a noite, evite lugares que tocam, funk, sertanejo, rap, reggae, etc...

De todo modo não é bom sair a noite qualquer que seja o tipo de lugar, não é uma diversão saudável, a probabilidade de encontrar degenerados é alta.

É difícil manter a alma limpa se não se vive em um local limpo.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Que minhas palavras não sejam dissolutas

Por vezes esquecemos do poder das palavras, dos sons que pronunciamos, somos levianos em relação ao que dizemos, ou falamos mas não queremos dizer nada, entabulamos conversas inúteis e vis com gente a quem não deveríamos dirigir a palavra. Nossa conversa torna-se corrupta, nosso pensamentos em consequência tornam-se nebulosos.

Principalmente quando rodeado de pessoas vulgares, o homem honesto deve manter um silêncio estóico até o momento em que possa deixar o iníquo grupo. Falar de alguém sem que a pessoa esteja presente é uma atitude desonrosa, a não ser que seja para elogiar tal pessoa. Contudo, conversar sobre pessoas em si já é de mau gosto, pessoas, a não ser que sejam ilustres, jamais deve ser tema da conversa de um homem de bem.

As palavras tem consequências internas, em nossa mente elas reforçam símbolos e arquétipos, e reforçam associações de pensamentos, que influem em nosso comportamento, quando sucumbimos ao modo de falar do vulgo, sucumbimos outrossim a sua estrutura psíquica, dissolvemos nossa identidade nesse arquétipo hediondo de vulgaridade e vício.

Devemos fazer o possível para que nossas palavras sejam puras, honestas e belas. As palavras são parte de você, são a vocalização de sua essência interior, a beleza e a virtude devem envolver teus pensamentos e consequentemente as tuas palavras. É um modo de escapar ao caos e devassidão do vulgo.

O silêncio é a nobreza, é o nectar mais puro para a mente, quando as palavras são abundantes, mesmo as virtuosas, elas podem causar confusão em seu coração e desviar o homem de suas diretivas primordiais. O homem deve passar a maior parte de seu dia em silêncio, absorto em seus pensamentos, encarnando-os em suas ações cotidianas, muitas palavras podem ser um empecilho, e podem desviar o homem de seus pensamentos corretos.

Deixe que a ação seja a sua eloquência, no fim de tudo o que valida o homem são suas ações e não palavras.

terça-feira, 10 de abril de 2012

A cidade

A meu predileto amigo o Sr. Dr. Betoldi

A cidade ali está com seus enganos,
Seu cortejo de vícios e traições,
Seus vastos templos, seus bazares amplos,
Seus ricos paços, seus bordéis salões.
 

A cidade ali está: sobre seus tetos
Paira dos arsenais o fumo espesso,
Rolam nas ruas da vaidade os coches
E ri-se o crime à sombra do progresso.
 

A cidade ali está: sob os alpendres
Dorme o mendigo ao sol do meio-dia,
Chora a viúva em úmido tugúrio,
Canta na catedral a hipocrisia.
 

A cidade ali está: com ela o erro,
A perfídia, a mentira, a desventura...
Como é suave o aroma das florestas!
Como é doce das serras a frescura!
 

A cidade ali está: cada passante
Que se envolve das turbas no bulício
Tem a maldade sobre a fronte escrita,
Tem na língua o veneno e nalma o vício.

Não, não é na cidade que se formam
Os fortes corações, as crenças grandes,
Como também nos charcos das planícies
Não é que gera-se o condor dos Andes!

Não, não é na cidade que as virtudes,
As vocações eleitas resplandecem,
Flores de ar livre, à sombra das muralhas
Pendem cedo a cabeça e amarelecem.
 

Quanta cena infernal sob essas telhas!
Quanto infantil vagido de agonia!
Quanto adultério! Quanto escuro incesto!

Quanta infâmia escondida à luz do dia!
 

Quanta atroz injustiça e quantos prantos!
Quanto drama fatal! Quantos pesares!
Quanta fronte celeste profanada!
Quanta virgem vendida aos lupanares!

Quanto talento desbotado e morto!
Quanto gênio atirado a quem mais der!
Quanta afeição cortada! Quanta dúvida!
Num carinho de mãe ou de mulher!

Eis a cidade! Ali a guerra, as trevas,
A lama, a podridão, a iniqüidade;
Aqui o céu azul, as selvas virgens,
O ar, a luz, a vida, a liberdade!
 

Ali medonhos, sórdidos alcouces,
Antros de perdição, covis escuros,
Onde ao clarão de baços candeeiros
Passam da noite os lêmures impuros;
 

E abalroam-se as múmias coroadas,
Corpos de lepra e de infecção cobertos,
Em cujos membros mordem-se raivosos
Os vermes pelas sedas encobertos!

Aqui verdes campinas, altos montes,
Regatos de cristal, matas viçosas,
Borboletas azuis, loiras abelhas,
Hinos de amor, canções melodiosas.
 

Ali a honra e o mérito esquecidos,
Mortas as crenças, mortos os afetos,
Os lares sem legenda, a musa exposta
Aos dentes vis de perros objetos!

Presa a virtude ao cofre dos banqueiros,
A lei de Deus entregue aos histriões!
Em cada rosto o selo do egoísmo,
Em cada peito um mundo de traições!

Depois o jogo, a embriaguez, o roubo,
A febre nos ladrilhos do prostíbulo,
O hospital, a prisão... Por desenredo
A imagem pavorosa do patíbulo!

Eis a cidade!... Aqui a paz constante,
Serena a consciência, alegre a vida,
Formoso o dia, a noite sem remorsos,
Pródiga a terra, nossa mãe querida!
 

Salve, florestas virgens! Rudes serras!
Templos da imorredoura liberdade!
Salve! Três vezes salve! Em teus asilos
Sinto-me grande, vejo a divindade!


Fagundes Varella

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Dos conselhos de Dom Quixote a Sancho acerca do governo da Ilha

Primeiramente, filho, hás-de temer a Deus, porque no temor de Deus está a sabedoria, e, sendo sábio, em nada poderás errar. Em segundo lugar, põe os olhos em quem és, procurando conhecer-te a ti mesmo, que é o conhecimento mais difícil que se pode imaginar. De conhecer-te resultará o não inchares como a rã, que se quis igualar ao boi: que, se isto fizeres, virá a ser feia base da roda da tua loucura a consideração de teres guardado porcos na tua terra.
 
 — Isso é verdade — respondeu Sancho — mas foi quando era pequeno; depois de homenzito, o que eu guardei foram gansos; mas isto parece-me que não faz nada ao caso, que nem todos os que governam vêm de famílias reais.

— É verdade — replicou D. Quixote — e por isso, os que não são de origem nobre devem acompanhar a gravidade do cargo que exercitam com uma branda suavidade, que, ligada com a prudência, os livre da murmuração maliciosa, a que nenhum estado escapa. Faze gala da humildade da tua linhagem, Sancho, e não tenhas desprezo em dizer que és filho de lavradores, porque, vendo que te não corres por isso, ninguém to poderá lançar em rosto; ufana-te mais em seres humilde virtuoso, que pecador soberbo. Inumeráveis são os que, nascidos de baixa estirpe, subiram à suma dignidade pontifícia e imperatória, e podia dar-te tantos exemplos que te fatigaria. Repara, Sancho, que, se te ufanares de praticar atos virtuosos, não há motivo para ter inveja aos príncipes e senhores, porque o sangue se herda e a virtude adquire-se, e a virtude por si só vale o que não vale o sangue. Sendo isto assim, se acaso te for ver, quando estiveres na tua ilha, algum dos teus parentes, não o afrontes nem o desdenhes, mas, pelo contrário, acolhe-o e agasalha-o, e festeja-o, que satisfarás com isso o céu, que gosta que ninguém se despreze pelo que ele fez, e corresponderás ao que deves à bem concertada natureza. Se levares tua mulher contigo (porque não é bem que os que governam por muito tempo estejam sem as suas mulheres), ensina-a, doutrina-a e desbasta-lhe a natural rudeza, porque tudo o que ganha um governador discreto, perde-o muitas vezes uma mulher rústica e tola. Se, por acaso, enviuvares, e com o cargo melhorares de consorte, não a tomes tal que te sirva de anzol e de isca, porque em verdade te digo que, de tudo o que a mulher do juiz receber há-de dar conta o marido na residência universal, com que pagará pelo quádruplo na morte o que ilegitimamente recebeu em vida. Nunca interpretes arbitrariamente a lei, como costumam fazer os ignorantes que têm presunção de agudos. Achem em ti mais compaixão as lágrimas do pobre, mas não mais justiça do que as queixas dos ricos. Quando se puder atender à eqüidade, não carregues com todo o rigor da lei no delinqüente, que não é melhor a fama do juiz rigoroso que do compassivo. Se dobrares a vara da justiça, que não seja ao menos com o peso das dádivas, mas sim com o da misericórdia. Quando te suceder julgar algum pleito de inimigo teu, esquece-te da injúria e lembra-te da verdade do caso. Não te cegue paixão própria em causa alheia, que os erros que cometeres, a maior parte das vezes serão sem remédio, e, se o tiverem, será à custa do teu crédito e até da tua fazenda. Se alguma mulher formosa te vier pedir justiça, desvia os olhos das suas lágrimas e os ouvidos dos seus soluços, e considera com pausa a substância do que pede, se não queres que se afogue a tua razão no seu pranto e a tua bondade nos seus suspiros. A quem hás-de castigar com obras, não trates mal com palavras, pois bem basta ao desditoso a pena do suplício, sem o acrescentamento das injúrias. Ao culpado que cair debaixo da tua jurisdição, considera-o como um mísero, sujeito às condições da nossa depravada natureza, e em tudo quanto estiver da tua parte, sem agravar a justiça, mostra-te piedoso e clemente, porque ainda que são iguais todos os atributos de Deus, mais resplandece e triunfa aos nossos olhos o da misericórdia que o da justiça. Se estes preceitos e estas regras seguires, Sancho, serão longos os teus dias, eterna a tua fama, grandes os teus prêmios, indizível a tua felicidade; casarás teus filhos como quiseres, terão títulos eles e os teus netos, viverás em paz e no beneplácito das gentes, e aos últimos passos da vida te alcançará a morte em velhice madura e suave, e fechar-te-ão os olhos as meigas e delicadas mãos de teus trinetos. O que até aqui te disse são documentos que devem adornar tua alma: escuta agora os que hão-de servir para adorno do corpo. 
 
CERVANTES SAAVEDRA, Miguel de; O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha, Tomo II, Capítulo XLII.