sexta-feira, 18 de março de 2011

Da mulher Normanda




...Quero falar dessa carne luminosa de rosas fundidas e tornadas fruto sobre faces virginais, dessa pérola de frescura das mulheres Normandas, junto à qual o mais raro nácar das ostras de seus rochedos parece falho de transparência e de umidade. Nessa época, os cuidados da vida ativa, as preocupações do dia a dia deviam ter extinguido no rosto de Jeanne essa tonalidade de lágrimas da Aurora transformando-a num tom mais humano, mais digno da terra de onde saímos e aonde não tardaremos em voltar: o tom melancólico da laranja, pálida e emurchecida. Grandes e regulares, as feições da senhora Hardouey tinham conservado a nobreza que perdera pelo casamento. Estavam apenas um pouco bronzeadas pelo sol e pelo vento, e salpicadas desses grãos de cevada, saborosos e ásperos, que de resto tão bem ficam ao rosto de uma camponesa. A centenária condessa Jacquilene de Montsurvent, que a conheceu, e cujo nome aparecerá muitas vezes nestas Crônicas do Oeste, contou-me que era sobretudo nos olhos de Jeanne-Madelaine que se reconhecia a Feuardent. Por qualquer outro traço, seria possível confundir a mulher de Thomas Le Hardouey com as camponesas dos arredores, com essas magníficas mães de soldados que deram ao Império os seus mais belos regimentos, mas pelos olhos não! Não havia engano possível. Jeanne tinha os olhos de falcão da sua raça paterna, as grandes pupilas de um azul índigo, carregado, escuro como as profundezas mais recônditas do pensamento, e que eram tão características dos Feuardent como os esmaltados do seu brasão. Não há como as mulheres ou os artistas para reparar nestes pormenores. Naturalmente, tinham escapado a mestre Louis Tainnebouy, como muitas outras coisas, de resto, quando me contou a história que mais tarde completei, naquela charneca de Lessay onde nos encontramos. Ele, o meu rústico criador de gado, julgava um pouco as mulheres como julgava as bezerras do seu rebanho, como os pastores romanos deviam julgar as Sabinas que tomavam nos seus braços nervosos; só vira nela os sinais de força e as aptidões da saúde. Com a sua estatura média, mas harmoniosa, as suas ancas e seios proeminentes, como todas as suas compatriotas cujo destino é serem mães, se Jeanne não parecera a mestre Tainnebouy uma mulher bela, impressionara-o ao menos como sendo uma bela mulher.

Por isso, quando me falou dela e se bem que Jeanne tivesse morrido já havia vários anos, o seu entusiasmo de boieiro Normando exaltou-se e atingiu vibrações soberbas.

— Ah! senhor — dizia-me, batendo com o cajado de freixo nas pedras do caminho — era um belo pedaço de mulher! Era preciso vê-la a regressar do mercado de Coutances, no seu cavalo baio, um cavalo inteiro, violento como a pólvora, e sozinha por minha fé! Como um homem, levando na mão o seu chicote de couro negro, de punho envolto em seda vermelha, com o seu corpete de pano azul e a saia de amazona aberta de lado e presa por uma fiada de botões de prata! Arrancava chispas ao pavimento, senhor! Não havia em todo o Contentin uma mulher que se lhe pudesse comparar!

D'AUREVILLY, Barbey, Enfeitiçada, Capítulo V, página 83.

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