Nos primeiros dias de junho de 1730 uma longa coluna de imensas canoas carregadas com bens e homens, formando uma pequena flotilha fluvial, atravessava as águas no coração continental da América do Sul, próximas aos afluentes do Rio Paraguai. Há vinte dias que a coluna fluvial havia partido de Cuiabá e nela seguiam cerca de quatrocentas pessoas, desde experientes sertanejos-bandeirantes até mulheres nascidas em Portugal e muitos escravos africanos remadores.
O roteiro Lisboa-Cuiabá era o mais demorado em todo o Império. Uma viagem de ida e volta demorava bem mais que um ano. Também viajava o Ouvidor Antonio Alves Lanhas Peixoto com sessenta arrobas de ouro, inclusive o carregamento da Coroa, resultado da produção de vários meses das minas de Mato Grosso. Na ilha de Ariacuné os estampidos de pólvora utilizados para a abundante caçada de pássaros atraiu a atenção do gentio paiaguá, um desconhecido grupo étnico de piratas fluviais da região do Pantanal Mato Grossense. Profundos conhecedores das corredeiras fluviais locais, os paiaguás mobilizariam um grande ataque contra a flotilha com mais de cinqüenta gigantescas canoas, cada qual com mais de dez destemidos índios, excepcionais canoeiros e nadadores.
Adiante a coluna luso-brasileira caiu em uma emboscada e os índios paiaguás surgiram urrando através de uma carga com mais de quinhentas flechadas em cima da flotilha, o que quebrou a linha de defesa e amedrontou gravemente boa parte dos remadores compostos por africanos escravos. A desorganização e o caos se instalaram nas canoas atacadas e os chefes e superiores tentaram desesperadamente reestabelecer algum controle frente ao desgoverno das canoas violentamente atacadas. A melhor tática seria alcançar a margem e tentar estabelecer um perímetro de defesa com o uso das armas de pólvora. Travou-se intensa luta no meio do rio e os escravos que caíam na água eram prontamente mortos e afogados pelos paiaguás.
Muitos organizaram pontos de defesa e venderam caro as suas canoas e vidas, como o Capitão Manoel Gomes do Amaral e o sertanista Sebastião Pereira, abatido depois de ter feitos sucessivos disparos certeiros contra os inimigos que se aproximavam de sua canoa. Os paiaguás afundaram várias das nossas canoas e capturaram dezesseis, com um saque contendo víveres, vestuários, muito ouro e alguns prisioneiros, dentre os quais Dona Domingas Rodrigues, jovem natural de Lisboa e com pouco mais de dezoito anos, recém-casada com o português Manoel Lopes de Carvalho, morto na ação contra os paiaguás.
Dona Domingas Rodrigues estava grávida e foi aprisionada pelos paiaguás, ao lado de vários africanos sobreviventes. Algumas canoas conseguiram romper o assalto paiaguá e sete canoas se refugiaram em uma pequena ilha, formando uma nova base de defesa. Nessa ilha estava o Capitão João Antonio Cabral Carmelo, a quem devemos esta notícia. Muitos corpos passaram boiando pela ilha defendida, inclusive o corpo do Ouvidor Lanhas Peixoto, lá enterrado.
Dona Domingas Rodrigues foi resgatada e vendida pelos paiaguás aos espanhóis na capital do Paraguai, três meses depois, quando eles foram trocar o ouro capturado na batalha fluvial. A jovem estava com as pestanas e cabelos raspados, cobertas com farrapos e quase nua.
O Brasil não costuma ser terra fácil e quem quer vencer tem que ser forte e sobreviver. Anos antes os paiaguás tinham capturado um menino, Antonio Antunes, após terem morto o tio dele, João Leme. O menino falou que a anterior prática dos paiaguás era a de simplesmente jogar fora todo o ouro capturado, porque era apenas pedra para eles. Depois é que aprenderam a trocá-lo com os espanhóis, o que causou violenta inflação em Assunção e no Paraguai.
Foram os mesmos paiaguás e outros povos indígenas os que anteriormente impediram o avanço do Império espanhol para o Norte do Rio Paraguai. Somente os nossos bandeirantes e o nosso Império Português é que exterminariam em algumas décadas os valentes paiaguás da face do planeta no que é hoje o Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, a nova fronteira agrícola do Brasil e do Mundo.
Ricardo Costa de Oliveira
Fontes : Monções - Sérgio Buarque de Holanda e História Geral do Brasil, Varnhagen.
Os paiaguás são um grupo indígena, atualmente considerado extinto, que habitava nos limites do estado brasileiro do Mato Grosso do Sul com o Paraguai. Também eram chamados de canoeiros.
Sua decadência veio durante a Guerra do Paraguai, quando serviram como lanceiros contra o exército brasileiro.
Tinham um código de honra que impedia que um guerreiro recuasse em batalha e se orgulhavam de não ter piedade do inimigo, sendo habéis no manejo de cavalgaduras e peritos em navegação.
Sua decadência veio durante a Guerra do Paraguai, quando serviram como lanceiros contra o exército brasileiro.
Tinham um código de honra que impedia que um guerreiro recuasse em batalha e se orgulhavam de não ter piedade do inimigo, sendo habéis no manejo de cavalgaduras e peritos em navegação.
"Hoje acham-se(os Paiaguás) quase que completamente desaparecidos,
lembrados os seus traços na fisionomia de alguns mestiços desfibrados
deles remanescentes, que nem sequer conservaram a estirpe a virilidade e
a altanaria." ~ Lécio Gomes de Souza
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